terça-feira, 30 de setembro de 2008

O jovem na Idade Moderna

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
DISCIPLINA: IDADE MODERNA II
PROF. SEVERINO VICENTE DA SILVA
ALUNOS:
CRISTHIANE ANDRADE,
FERNANDO CARVALHO,
MARIA CRISTINA,
RAFAEL CRUZ,
TALITA ALBUQUERQUE.


O JOVEM NA IDADE MODERNA


OS TUTORES DA DESORDEM: RITUAIS DA CULTURA JUVENIL NNOS PRIMÓRIDIOS DA IDADE MODERNA


Nos séculos XVI e XVII, na Europa ainda saindo do medievo, ainda não se traçava uma demarcação nítida entre infância e juventude e ainda não se tinha uma noção precisa daquilo que hoje chamamos de adolescência, existia ainda uma compatibilidade na epistemologia das palavras “criança” e “adolescente”, por denominarem muitas vezes a mesma coisa, no fim a significação segundo o autor, “aqueles que não eram responsáveis por suas próprias ações”, o que abre uma nova discussão, por buscar a delimitação do fim da infância e juventude para a fase adulta, tal delineação era determinada e até hoje muitas vezes é, pelo advento do matrimônio, da saída da casa da família e da instituição da sua própria família, abarcando responsabilidades em relação a outras pessoas, porém, ao analisar-se a questão social, em estruturas camponesas, a questão de responsabilidade era definida muito cedo por conta da iniciação nos campos para auxiliar a família, e o casamento adiado por questões sociais, tal transição espaçada por questões de subsistência e meios de sustentabilidade.

Esta ausência de responsabilidades e, muitas vezes, apoio silencioso legitimador por parte dos adultos originava uma cadeia de eventos provocados pelos jovens, “anônimos regentes da noite”; aqui já não se encontra diferenciação entre as práticas dos jovens seja no campo ou em núcleos urbanos, os mesmos agiam livres das fundamentações adultas, seus atos revelavam reivindicações “coletivas” que serviam para proteger os mesmos através de suas práticas que procuravam abalar os sistemas que regiam o certo e o errado na sociedade em que viviam.

Os jovens reinavam nas noites promovendo arruaças, gritarias e estragos, tal ritualização de atos acabava por se caracterizar como uma afirmação da masculinidade e da coragem. Arrastando pelas ruas o que estivesse pelo caminho, invadindo casas e campos de colheita sejam de uvas ou de cerejas e outros itens mais; nossa pesquisa nos indica que é visível a forte oposição à figura religiosa local, por conta da imagem reprovadora e moralizadora que o mesmo passava, servindo assim tal figura para ataques noturnos aos bens do mesmo, além de ataques verbais sobre sua moral e costumes; enfrentavam também, aqueles que por medidas de segurança foram colocados como meio de tentar controlar os jovens e manter a paz noturna, a ponto de o governo permitir o uso da violência para com os jovens.

Porém, na segunda metade do século XV medidas foram tomadas para controlar as ações juvenis que desafiavam as relações de poder impostas pelos adultos, através dos “Decretos Comunais”, criaram-se penas como trancar em torres e multas, para aqueles que provocassem desordens; locais conhecidos como “berlindas”, “casa dos loucos” eram construídos para alocar tais jovens e utilizá-los como exemplo para outros mais; as ruas receberam lampiões para uma maior iluminação. Muitas dessas medidas serviram para incentivar e provocar maior audácia em burlar e atacar os costumes e regulamentos da sociedade. Ainda como parte de tais intervenções, foi instituído o caráter de “furto” às tradicionais brincadeiras em atacar às casas; e isso dava maior amplitude na hora de julgar e aplicar pena aos jovens, colocados como “garantia ‘orgânica’ da transformação social”. Porém tais penalidades eram brandas, se comparadas com as dos adultos, as próprias práticas juvenis serviam de estrutura para sua proteção dificultando o entendimento de até onde o ato juvenil era de desaforado ou reprovador.

Estudiosos levantam a questão da existência da juventude e da adolescência no começo da era moderna e a forma como esta permeia a consciência de si que teriam os jovens, passando pela dimensão cultural de sua auto-definição. A distinção entre infância e juventude era feita pelos próprios grupos juvenis que, em defesa de seus privilégios específicos perante os jovens do início da Idade Moderna tinham sua força social através do princípio em que as pessoas permanecem unidas porque já se conhecem há muito tempo. Mecanismo social simples, pois eles se encontravam regularmente à noite na praça, em pequenos grupos ligados por amizade, vizinhança ou parentesco. As conversas giravam, sobretudo, em torno das moças e de como atrair a sua atenção. O ponto nodal da cultura dos grupos jovens eram essas práticas para estabelecer contatos com o sexo oposto, visando à escolha matrimonial. Estas formas organizadas de se cortejar constituíam um controle sobre o “mercado matrimonial”.

A atitude de pretendentes estranhos que tentavam cortejar as moças da comunidade, era tida como “invasão”. Os jovens locais os rechaçavam e, às vezes ocorriam lutas brutais. Os jovens solteiros assumiam a função patriarcal de guardiões das moças núbeis da comunidade. Consideravam-se os tutores da moral e da honra das moças que estavam em idade de casar da própria aldeia. Era difundido o costume de indicar pessoalmente para cada moça um jovem, que durante algum tempo seria o guardião da sua honra. Um tipo de “teste de casamento temporário” para os futuros papéis matrimoniais.

Aos jovens era reservada a função de preparar o carnaval e os costumes carnavalescos, onde eles eram considerados os verdadeiros protagonistas. Essa dimensão cultural dava um perfil de grupo à cultura juvenil masculina. A função social dos jovens enquanto detentores de costumes típicos do “mundo às avessas” era, segundo a concepção adulta, que nada mais natural que aqueles em fase de transição administrassem os jocosos rituais de transformação e renovação do carnaval.
Nas cidades suíças havia numerosas organizações juvenis associadas ao carnaval, que por seus nomes criativos provocavam por vezes problemas de interpretação aos historiadores. Nomes divertidos representavam a auto-ironia, como a “Corporação da Porca” e a “Sociedade do Pontíssimo, Grandioso e Insuperável Conselho”. Fazia-se paródia da ordem constituída e de reivindicações do poder. Demonstrações essas que a juventude assumiria no futuro.

O papel dos jovens como detentores dos costumes carnavalesco assumiu relevância social. Eram atividades exclusivas deles as preparações de festas de passagem. Aos jovens eram também concedidas certas funções de manutenção da ordem, de censura moral, que ampliava a atividade de controle das moças solteiras, e também exerciam sobre os adultos infratores da moralidade. O grupo de jovens considerava como infração aqueles que abandonavam o teto conjugal por certo período, condenando-os e pretendendo como reparação certa quantidade de vinho que era bebida pelo grupo. Caso não pagasse o vinho a transgressão seria dada ao conhecimento de todos da comunidade. Eles exerciam sua censura controlando de maneira geral a moral e a ordem da vida cotidiana.

Nossas leituras indicam que as regulamentações meticulosas entre comportamento “justo” e “errado”, criadas ao longo dos séculos XV e XVI. Constituem a formação de um o projeto burguês de “bom comportamento”, e tiveram sua origem numa das funções mais simples dos grupos juvenis, o controle da sexualidade. O campo de ação dos jovens era atravessado por verdadeiras contradições, e esse caráter paradoxal reflete-se nas atitudes em que os jovens solteiros resguardam a virgindade de “suas” moças, mas o fazem para que elas a entreguem só a eles no fim.
Nos seus júris simulados os jovens Imitavam do modo mais próximo possível os procedimentos judiciários oficiais. As obscenidades contidas em protocolos como nos do “Tribunal da Porca” demonstravam como o espírito carnavalesco das organizações juvenis levava ao absurdo os rituais do poder dominante.
Sobre a juventude feminina, não se conhece formas de organização como os rapazes.

Algumas fontes documentais isoladas mostram ações de grupo de jovens solteiras. Porém, existiu sempre uma forte reação a inversão dos privilégios do grupo juvenil masculino. Numa política cada vez mais severa de separação dos sexos em lugares públicos e o delineava-se com mais força que o lugar da mulher era em casa e não em lugares públicos.

Nesta política de privilegiar um âmbito exclusivamente doméstico, observa-se o propósito de encerrar mulheres e moças, numa função meramente reprodutora e sexual, com papel de “donas de casa” e de “mães”, tendo pouco espaço para a socialização externa. Nesse contexto social público, o comportamento dos jovens demonstra o privilégio do sistema patriarcal.

Na Itália podemos observar que a Igreja da Contra-Reforma se dedicou a um projeto de disciplina, que, sob a bandeira da “moralidade”, tentou disciplinar os súditos aos seus ideais cristãos. No entanto, esse projeto sofreu resistência dos jovens, que chegavam a brincar e protestar contra a postura da Igreja, como o fato da obrigatoriedade de freqüência às funções religiosas.

A cultura popular, como os relacionamentos entre jovens, que faziam parte do rito de passagem para a vida adulta, era duramente criticada pela Igreja reformada. Esta utilizava de abstratas argumentações morais para criticar e reprimir alguns costumes, como as danças e o carnaval, caracterizando tais costumes como sendo “escandalosos”. O autor entende que a Igreja reformada estava incapacitada de compreender a lógica social e a cultura popular, vendo apenas distúrbios e imoralidade em atos como brincadeiras e namoros entre os jovens.

Nesse choque entre moralidade cristã e cultura popular, foi inevitável o conflito no início da Idade Moderna entre eclesiásticos, extremamente rigorosos acerca dos valores cristãos, e os jovens, com suas necessidades de auto-afirmação e as vontades pela oposição, típicas da juventude. Com a vontade dos eclesiásticos de “reformar” os costumes, tentando reprimir atos considerados “heréticos” pela Igreja, os jovens atacavam o “campo ético” da Igreja, tornando-se uma espécie de “braço armado” em defesa dos direitos e costumes de suas comunidades, fazendo, como maneira de protestar, algum tipo de “bagunça”, como os párocos costumavam dizer de suas ações. Com esses atos, os jovens buscavam demonstrar o descontentamento da comunidade, numa tentativa de aconselhar o pároco a não ir de encontro aos costumes da aldeia.

Podemos analisar também a relação entre os jovens e os adultos. O que se observa é que os jovens não eram reprimidos por suas atitudes. Existia certo elo entre jovens e velhos, tendo os jovens certa liberdade cedida pelos velhos, num tipo de preparação para a vida adulta. Não se tratava de um complô, mas uma permissão aos jovens de agir. Podemos observar essa “preparação” em alguns acontecimentos, como a participação da juventude de certas comunidades em momentos importantes, como as assembléias eleitorais. Essa certa liberdade cedida pelos adultos pode ser mais bem compreendida se analisarmos os aspectos culturais no sistema da sociedade rural da época.

É fácil se observar que, no início da era moderna, adotava-se o partido de deixar que os jovens se virassem sozinhos em seus negócios. Além de criar espaços específicos para os jovens, essa liberdade aliviava as responsabilidades dos adultos, que se dedicavam aos seus negócios, como os necessários contatos sociais. Os jovens, por si, admiravam os adultos e suas atividades sem que fosse necessário os ensinar os valores da sociedade rural, tendo os jovens a imagem do que queriam ser na fase adulta.

Apesar disso, preocupante eram certas atitudes violentas dos jovens, nas arruaças por eles cometidas. Podemos entender isso como a maneira que os jovens possuíam de se mostrarem como seres existentes. Gritavam, agrediam e usavam do próprio corpo como maneira de declarar a sua presença. Os rapazes solteiros utilizavam desses meios para se mostrarem para as moças, ou pra impor respeito entre os outros rapazes, que eram seus rivais em potencial. É possível comparar essa situação com a dos rapazes hoje em dia, que saem cantando pneu com seus carros em frente a discotecas com o intuito de impressionar. Apesar da tentativa das autoridades de controlar essas arruaças e gritos noturnos, a cultura e valor social desses “ritos de passagem” dos jovens não permitiu que a situação mudasse. Apenas o Absolutismo e algumas mudanças rígidas na maneira de tratar esses jovens fizeram com que a situação apaziguasse.

Podemos dizer que, apenas com a mudança cultural, com o mundo do consumismo do século XX, além da defesa dos interesses burgueses que fez com que as instituições tivessem um apoio maior, a juventude deixou de ser um ponto de inquietação e construiu-se então uma visão positiva dos jovens. O jovem deixou de ser visto como um “quase adulto” que tinha que caminhar sobre suas próprias pernas, e o sonho de “eterna juventude” se difundiu. Ocorreu uma inversão: o jovem começou a ser visto como um ser perto da infância, e sendo doutrinados a se aprisionar com a nova cultura industrial e missionária do capitalismo. A troca de gerações deixou de ser uma atitude de confiança na sociedade, orientada para o futuro.



JOVENS NOBRES NA ERA DO ABSOLUTISMO: AUTORITARISMO PATERNO E LIBERDADE



A partir do século XVI houve uma maior difusão da instituição da primogenitura, e ela era usada de forma mais firme que em outros períodos. Havia variações em cada Estado, mas se tornou comum nesse período que os pais passassem todo o seu patrimônio, bem como o seu nome e o direito de perpetuá-lo a um único herdeiro, o filho mais velho. Quanto aos filhos mais moços, cabiam-lhes a vida religiosa, o exército ou, em poucos casos, um casamento menos vantajoso.

Porém, essa questão da primogenitura variava de acordo com o sexo dos filhos. Se fossem homens, teriam essa oportunidade de gozar dos bens paternos. No entanto, se fossem mulheres, as primogênitas quase sempre estavam destinadas ao claustro. Isso ocorria por conta dos valores dos dotes de casamento, que despendiam quantias bastante altas (que às vezes chegavam a ser cerca de 5 anos de renda familiar). Às filhas mais novas era destinado o casamento em virtude de haver um maior tempo para que essa quantia fosse guardada.

Com relação à liberdade de escolha, alguns teóricos vão se posicionar a respeito, bem como os que estavam ligados à área religiosa. A educação deveria ser rígida, com pouca afetuosidade, porém, deveria ser respeitada a “vocação” de cada um. Baseados no Quarto Mandamento, os pais deviam obediência aos pais. Contudo, cabia aos pais observar também a “natureza” de cada filho, não o condenando a viver uma vida de dissabores.


No que diz respeito à educação dos rapazes, pode-se dizer que existia um padrão até pelo menos a adolescência, não importando a quais carreiras profissionais as crianças estavam mais ou menos predestinadas: todos, primogênitos ou caçulas, meninos ou meninas, eram educados da mesma forma.
Com relação aos valores morais cultivados e incutidos nos jovens, há uma grande diferença comportamental que distingue as crianças dos adolescentes, e a passagem de uma fase para outra não pode ser outra coisa senão conflituosa. Graça, vivacidade, exuberância e vitalidade são virtudes moralmente aceitas numa criança, ao passo que a obediência e principalmente a modéstia e a humildade são as virtudes que guiarão o comportamento dos jovens rumo à fase adulta.

Sem dúvida, o fato de a península itálica abrigar a sede da Igreja Católica - e, por conseguinte, a presença dessa instituição ser especialmente forte nessa região – contribuiu consideravelmente para a difusão desses valores (humildade, modéstia, retidão, recato), uma vez que as famílias italianas estavam sempre repletas de membros do clero. Mas esses valores morais não têm só raízes eclesiásticas. Inúmeros tratados de pedagogia, escritos por pensadores como Erasmo de Rotterdam, propalavam a idéia de que a modéstia e a humildade serviam como um antídoto a um dos mais censuráveis defeitos da época: o orgulho, característica que faz parte da natureza dos adolescentes.

Mas é claro que, além das questões de ordem moral e religiosa, os interesses sociais e familiares também estavam em jogo. Os pais acreditavam que através dessas virtudes, os filhos galgariam importantes lugares-sociais, obtendo êxito nas carreiras escolhidas. Existia também o temor de que os jovens, moralmente frágeis, inseguros e altamente influenciáveis, fossem desvirtuados por más companhias, maculando a honra da família. Por isso era recomendável que eles só andassem acompanhados por um preceptor ou por um membro adulto da família, principalmente quando em público.

Essa fragilidade moral dos jovens foi uma das razões pelas quais se difundiu pela Europa o hábito de mandar os rapazes para colégios. Essa instituição era vista pelos pais como uma garantia de uma boa disciplina e educação, além de encaminhamento profissional; servia tanto aos primogênitos, futuros grandes proprietários e chefes de família, tanto aos caçulas, que seguiriam na magistratura ou no clero, tendo a educação formal desses últimos um enfoque ainda maior. Os jovens poderiam ser enviados para os colégios propriamente dito, de onde geralmente sairiam formados em ciências jurídicas; poderiam ir para a escola de pajens, onde ingressariam na vida militar, ou ainda enviados para convetos-seminários, iniciando carreira no clero.
A decisão das carreiras profissionais dos jovens ocorria por volta de doze ou treze anos. Eram fortemente influenciadas pelos pais, mas não de forma totalmente arbitrária. As decisões eram baseadas ao menos em dois fatores: a vocação, necessária para o êxito profissional, e os interesses familiares, a partir dos quais os pais persuadiam os filhos. Portanto, pode-se dizer que o livre-arbítrio do jovem era quase sempre respeitado, mas os pais tratavam de encaminhar seus filhos desde cedo para os caminhos que mais convinham às famílias.

Da mesma maneira os pais se posicionavam em relação ao casamento dos filhos. Ao contrário do que geralmente se imagina, os casamentos não eram de todo forçado: também as afeições entre os noivos eram relevadas. Os pais levavam em consideração a felicidade do filho, e talvez por isso mesmo se imbuíam do compromisso de arranjar-lhe uma boa parceira, pois, segundo o pensamento corrente da época, abandonar criaturas tão moralmente frágeis e inseguras à própria sorte seria desumano. É claro que essa escolha estava intimamente ligada aos interesses da família, mas não era totalmente arbitrária.

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