terça-feira, 7 de outubro de 2008

As diferentes faces da mulher européia na Idade Moderna

Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de História
História Moderna II
Professor Dr.Severino Vicente da Silva



Escrito por:
John Keven Nunes
Manoel de Carvalho Niño Júnior
Patrícia Gomes
Raphael Wellington
Raquel Barbosa Lopes





Recife, outubro de 2008.





SUMÁRIO


INTRODUÇÃO.....................................................................................................4
1. A mulher e o casamento........................................................5
2. A prostituição feminina no século XVI........................................10
3. A mulher na Igreja: o feminino e o conflito..................................14
4. Ocultismo e magia............................................................18
5. A mulher trabalhadora e administradora.......................................22

REFERÊNCIAS.....................................................................27




INTRODUÇÃO


Este trabalho tem por finalidade expor e analisar determinados aspectos pertinentes às mulheres na Idade Moderna, aspectos estes que geram a discussão de problemas referentes ao gênero, como sua condição quando inseridas nos mais diversos campos, como a família, a sociedade civil e a Igreja. Também são abordados os parâmetros comportamentais exigidos pelos grupos sociais das quais fazem parte, bem como as retaliações sofridas pela quebra dessas expectativas.
Buscou-se, então, delimitar o objeto de pesquisa em áreas as quais são as mais marcantes no que concerne o universo feminino, utilizando-se de contrapontos para uma melhor captação dos extremos de uma mesma questão considerada.
Por fim, procuramos trazer uma pequena contribuição para manter aceso o debate acerca da condição feminina através dos tempos, como forma de tentar obter respostas que satisfaçam a resolução dessa demanda.




1. A MULHER E O CASAMENTO

Raquel Barbosa Lopes

Independente da sua classe social, a menina, quando fruto de um casamento legítimo, assim que nascia estaria sob a tutela de um homem. Primeiro seria o seu pai, que teria por função sustentar a sua filha até o casamento, e depois o marido, que seria responsável pelo bem-estar da esposa. Este modelo se aplicava, sobretudo, às classes médias e altas da sociedade entre o período que se enquadra o Renascimento e a Idade Moderna.

A mulher para se casar teria que ter um dote. No livro História das Mulheres no Ocidente há um trecho escrito por Olwen Hufton que descreve que “uma filha levava da sua família dinheiro e recursos que tinham que comprar o seu bem-estar futuro e, idealmente, através da nova aliança, elevar a posição social dos seus parentes” (HUFTON, p. 25). Percebe-se, então, que os casamentos realizados entre as classes mais abastadas economicamente tinham o caráter de negócio.

É importante ressaltar que as mulheres cujas famílias não possuíam recursos para tal tinham que trabalhar para juntarem dinheiro para o seu dote. Além disso, independente de serem casadas ou solteiras, as mulheres das classes trabalhadoras tinham que se sustentar pelos rendimentos do seu trabalho, o que não significava que estas poderiam viver em plena independência. A mulher pobre solteira que não conseguia manter sua própria casa tinha que procurar um patrão que a abrigasse e este, então, passaria a ser seu responsável até esta mudar de emprego, casar ou voltar para a casa dos pais.

Por volta dos 12 anos, a menina pobre deixava a casa dos seus pais e saía em busca de trabalho. Até o final do século XVIII, nas zonas rurais o trabalho nas pequenas fazendas abrigava boa parte da mão-de-obra dessas moças. O que era uma grande vantagem visto que estas não se afastariam tanto da sua família e do padrão de vida a que estavam acostumadas. Quando não conseguiam trabalho nas fazendas, procuravam emprego nas cidades próximas, onde se submetiam ao trabalho doméstico das casas. “As criadas constituíam o maior grupo trabalhador na sociedade urbana, chegando a cerca de doze por cento da população total de qualquer vila ou cidade européia nos séculos XVII e XVIII” (HUFTON, p. 31). Isso se explica porque se ter criados era sinônimo de status social, além disso, havia a oferta farta e barata de mão-de-obra feminina nesse período. Nas zonas industriais, também foi notável a utilização de mulheres nas indústrias têxteis européias.

No que se refere ao casamento, as mulheres das classes aristocráticas e médias se casavam bem menos do que as das classes operárias, fato que se explica pelo valor elevado do dote. O dote das filhas poderia levar à falência das famílias. Geralmente, só as duas primeiras filhas se casavam, enquanto as outras ficavam em casa ou moravam em locais “modestos”. Lembrando que as mulheres da aristocracia só podiam casar com alguém do mesmo grupo social. A mulher de família mais pobre e que lutava por seu dote quase nunca deixava de se casar, pois não havia motivos para o impedimento do casamento.

De modo geral, havia uma tendência das mulheres em não se casar com alguém de condição econômica inferior a sua. As da aristocracia poderiam escolher o melhor partido; as filhas dos médicos também se casavam com médicos; as que trabalhavam nas fazendas se casavam com os agricultores; as que trabalhavam na indústria de tecido se casavam com algum tecelão; e assim por diante, enfatiza Olwen Hufton. Por sua vez, o número de criadas que se casavam com alguém de mesmo ofício era praticamente inexistente, pois estas aproveitavam o dinheiro do dote para, junto com o seu marido, abrir um negócio. O casamento tinha por finalidade proporcionar apoio econômico entre as partes, mas isso não significa que o amor romântico não ocorresse. Após o casamento, o papel da mulher consistia basicamente em ser uma boa companheira e de cuidar dos filhos.

A mãe desse período deveria alimentar o bebê e mantê-lo sempre aquecido e limpo. Houve uma tendência dos historiadores daquela época de taxarem que as mães eram indiferentes com seus filhos, pois era um hábito comum, no século XVII, as crianças serem alimentadas por amas de leite. As mães que permitiam isso comumente pertenciam à aristocracia, às classes médias urbanas ou trabalhavam nos negócios de família e, devido ao perigo do ambiente de trabalho, preferiam evitar expor seus filhos. No século XVIII, o número de mães que contratavam os serviços de uma ama tenderam a diminuir entre as primeiras classes citadas, pois os médicos e filósofos faziam uma propaganda que enfatizava o caráter negativo e “antinatural” dessa prática.

Segundo Olwen Hufton, após a infância, a mãe passava a exercer o papel de educadora, que variou de acordo com o tempo, a classe e o lugar. As mães das classes aristocráticas ensinavam suas filhas a se comportarem a fim de arranjarem um bom casamento, que nesse caso, a mãe seria o reflexo do sucesso da filha. Aprendiam a bordar, a dançar, a falar, a administrar os criados, a ler, a falar francês etc. Para a plebe a importância da leitura tinha um papel secundário, até porque o ensino da leitura dependia de uma mãe também letrada, as habilidades culinárias e a costura eram as prendas mais requisitadas por esta classe. A mãe pobre ensinava, sobretudo, a filha a se “virar” nas fases mais críticas. A educação moral da filha era função quase que exclusiva da mãe. “Uma filha era o que a mãe fazia dela” (HUFTON, p. 63).

Até o fim do século XVIII, as meninas, “com exceção de algumas, que eram enviadas às ‘pequenas escolas’ ou a conventos, a maioria era educada em casa, ou também nas casas de outras pessoas, uma parenta ou vizinha” (ARIÈS, p. 233).

Segundo Lawrence Stone, a preocupação com uma melhor educação para as meninas teve início no século XVII, quando algumas mulheres inmglesas, das classes média e alta, se inspiraram nos princípios de pensadores como, por exemplo, John Locke, William Law, Jonathan Swift, John Dunton e Daniel Defoe. Essas mulheres acreditavam que a educação seria um fator de enriquecimento da relação com os seus maridos, pois melhor preparadas seriam, conseqüentemente, melhores companheiras. Locke defendia que uma mulher bem preparada para o casamento deveria ler inglês perfeitamente, entender latim, aritmética e conhecer alguns dados cronológicos da história.

Lawrence Stone explica que a educação feminina mais ampla resultou em melhorias nas condições de vida, visto que poderiam ter uma maior autonomia na escolha de seus parceiros, ter maior participação nas decisões familiares, uma postura sexual mais relaxada, restringir o número de filhos etc.

Ao ficar viúvo, o pai tinha a obrigação de substituir a figura materna. A solução nesses casos poderia ser, por exemplo: mandar os filhos para a casa de uma irmã; trazer uma parenta solteira para a sua casa; deixar que a filha mais velha tomasse conta dos outros irmãos; ou casar-se novamente. A mulher viúva enfrentava muito mais problemas do que o homem, e, geralmente, sobrecarregavam ainda mais as suas filhas. Fato que nas classes mais favorecidas economicamente significava, muitas vezes, uma chance da mulher se tornar independente, pois poderiam levar o negócio da família adiante ou porque o dote do casamento ainda lhe garantia uma vida confortável e, dessa forma, poderiam escolher um tutor com mais cautela.

As mulheres possuíam uma vida muito difícil quando longe da família e fora dos papéis a que estava destina, de esposa e mãe. As solteiras, quando as famílias não podiam sustentá-las e devido aos baixos salários oferecidos, chegavam a se agrupar e tentar levar uma vida em conjunto.

De modo geral, o casamento era visto mais como uma união temporária do que um contrato vitalício, pois poucos casais conseguiam permanecer juntos até a velhice. Sara F. M. Grieco explica que quanto mais jovem mais alta seria a probabilidade de um recasamento. E enfatiza que para os homens o tempo para uma nova união era bem mais curto. O direito canônico não estipulava prazos para um novo casamento, mas recomendava pelo menos um ano de luto, principalmente no caso das viúvas. Outro dado curioso se relaciona à idade dos novos pares, a maioria dos homens, após o primeiro casamento, se juntava com mulheres mais jovens, ao contrário das mulheres, cujos recasamentos tendiam a ser com homens mais velhos. No sul da França, até o início do século XVII, o clero chegou a se recusar a fazer recasamentos, pois se questionava se tais pessoas teriam a chance de uma nova vida após a morte.

No que se refere à traição, as mulheres deveriam fingir que não se preocupavam com os casos do marido, além disso, deveriam tentar manter a virgindade até o casamento e serem fiéis ao relacionamento. Para a sociedade, um homem traído era sinônimo de falta de habilidade para manter a sua propriedade.

Nas áreas rurais, os maridos traídos e as mulheres infiéis eram submetidos à rituais de vergonha pública. Na aristocracia, a infidelidade tinha outra conotação; era comum homens e mulheres manterem relações extraconjugais. O único empecilho, no caso das mulheres, seria cumprir suas obrigações de esposa.

No que se refere ao divórcio, este processo era bem mais simples para o homem, às vezes, bastava alegar simplesmente a infidelidade da esposa. O seguinte trecho nos dá uma idéia de como era complicado para a mulher se divorciar do marido: “mesmo em 1857, em Inglaterra, a Lei do Divórcio tornou possível ao marido obter o divórcio alegando simples adultério da sua mulher, mas esta apenas o obteria se a infidelidade do marido fosse agravada por outras circunstâncias tais como crueldade, abandono, bigamia, violação, sodomia ou bestialidade” (GRIECO, p. 115).

2. A PROSTITUIÇÃO FEMININA NO SÉCULO XVIII
John Keven Nunes

O século XVI, além de ter sido um período de grandes descobertas, também conheceu uma forte mudança na concepção da imagem feminina, sendo apontado por alguns pensadores, como Reay Tannhill, por exemplo, um dos séculos mais críticos nessa mudança. Desde o período das cruzadas que vários agentes transformadores vieram atuando para uma nova forma de ver e entender a mulher, tais como: choques com a civilização mulçumana e sua forma de tratar suas mulheres, a ida de muitos membros intolerantes da sociedade européia para os campos de batalha, o que levou muitas mulheres a administrar os feudos dos seus esposos ausentes, um desenvolvimento de uma literatura palaciana, onde as mulheres passaram à condição de DAMAS e principalmente o desenvolvimento do culto à Maria. Esse último item ganhou força na Europa medieval a partir do contato com os bizantinos que já tinha uma devoção à Maria bastante amplificada, e sua divulgação na Europa se deu através de eclesiásticos como Bernard De Clairvaux, de trovadores, nobres, burgueses e ordens religiosas. Logo, Maria conquista toda a igreja cristã ocidental.

Como o século XV ficou conhecido como o “o século dos bastardos”, a igreja passou a ver a prostituição feminina como um mal necessário que servia para conter as demasias. Em sua obra Reay Tannahill faz menção a um bordel pertencente à igreja de Avinhão (França), onde as moças dividiam o tempo entre orações e favores sexuais aos clientes. Lugares como esse, foram difundidos pela Europa, porém proibidos para judeus e pagãos. Evocou-se o arquétipo de Maria Madalena (a prostituta arrependida dos evangelhos) para servir de exemplo às prostitutas e levá-las à conversão. Jacques Le Goff, conhecido medievalista francês, cita também que a igreja admitia a prostituição como “resultado do pecado original e da fraqueza da carne humana” (LE GOFF, p. 154). Porém essa prostituição deveria ser praticada apenas como necessidade de sobrevivência e não por prazer, ficando sempre aberto o caminho do arrependimento.

Uma epidemia de sífilis no final de século XVI freou o desenvolvimento dos bordéis e das casas de banhos. Cada lugar denominou essa doença venérea como os nomes próprios, que em geral evocava lugares aquém de suas fronteiras, tais como sarna espanhola, na Alemanha, e doença francesa, na Espanha. O retrocesso sofrido pela prostituição ganhou nova roupagem a partir do século XVIII com as inovações promovidas nos bordéis na Europa, já que eles deveriam satisfazer seus novos, ricos e influentes clientes, advindos da aristocracia e do clero em especial.

Uma das grandes novidades foi a divulgação dessas casas e de suas especificidades que deu fôlego ao negócio do sexo. Um dos ícones desse período eram os estabelecimentos de Miss Fawkland, que segundo Nickie Roberts eram decorados como templos e suas garotas tinham amplo treinamento para agradar clientes de todos os gostos, inclusive os mais excêntricos, para a época, como o sadomasoquismo, por exemplo. Outra inovação bastante difundida, ainda de acordo com Roberts, foi o uso de dramatizações nesses recintos, pois era grande a ligação entre o teatro e a prostituição, sendo o primeiro uma vitrina para as prostitutas recentes mostrarem seus talentos, onde muitas prostitutas – atrizes conseguiam também bons casamentos.

Um fato bastante interessante verificado nessa pesquisa foi a existência, também, de prostituição masculina, que servia para satisfazer os desejos de senhoras abastadas das classes aristocráticas. E a demanda por esses serviços másculos era grande, como atestam as movimentações nos prostíbulos das senhoras Hayes e Banks em Londres, onde se oferecia sexo comercial a ambos os sexos, sem nenhuma distinção, segundo Nickie Roberts. Em “As prostitutas na História”, Nickie Roberts, nos informa que “Londres era já no século XVIII a mais avançada cidade do ocidente” (ROBERTS, p. 205), onde o mercado da prostituição tinha grande profusão, às vezes escancarada.

Toda essa liberação era facilitada pelo desenvolvimento de ideais liberais, onde a economia de mercado se preocupava menos com questões morais, que com os lucros. O aumento da pobreza, a expulsão de camponeses de suas terras e grande quantidade de mulheres sem meios para casar, aumentou o número de prostitutas pobres, uma vez que a prostituição dava muitas oportunidades a essas desafortunadas, desde se livrarem de trabalhos exaustivos a conseguirem juntar dinheiro e com isso arrumar um marido. Não havia nas classes mais baixas um apego à moralidade. Era comum nos bordéis londrinos um número notório de prostitutas negras, muitas delas escravas trazidas das colônias por seus antigos senhores e abandonadas à dura sorte na metrópole inglesa. Entre os comportamentos profissionais das prostitutas estava o de receptar seus clientes entre os transeuntes de determinada rua e levá-los para os aposentos das mesmas e lá desenvolverem seus trabalhos sexuais; sendo comum que várias ruas tanto em Londres, como em várias cidades da Europa, fossem identificadas por esse tipo de oferta.

Ao contrário do que se pode pensar, as crianças não estavam livres de serem envolvidas por esse negócio. Devido à necessidade constante de virgens para aplacar os desejos dos clientes ricos e do aumento da pobreza, muitas meninas a partir de 11 anos de idade seguiam para uma triste vida nos prostíbulos, de onde muitas vezes só saiam mortas. Infelizmente a prostituição infantil atual, também tem suas raízes em várias sociedades modernas. Muitos espaços serviam para o oferecimento de serviços sexuais, tais como muitos cafés, que possuíam quartos para essas finalidades, quanto nas famosas tavernas, sendo, estas últimas, foco das prostitutas das classes trabalhadoras. Muitas festas eram realizadas com o intuito de promover encontro entre aristocratas e prostituas em geral essas festas se davam em festas, de bailes de máscaras, com lugares exclusivos para a sua realização. O escritor Thomas Brown faz alusão em sua obra a uma das numerosas tavernas: “aquela imunda escola de sodomia, que pela competência na ciência da devassidão, chamados de flogging Cillies pagam um preço exorbitante para serem açoitados em seus traseiros pelas Posture Molls”.

Outras cidades também foram foco de prostituição, tais como Paris e Viena, porém as prostitutas sofriam forte repressão por parte do estado, que utilizava de métodos brutais, como marcação a ferro nas prostitutas, banimentos e até decapitação das mesmas. Outros métodos mais brandos foram bastante disseminados nessas regiões, como trabalhos forçados em lavanderias, prisões etc., o que acarretou maior vigilância sobre as mulheres. Porém, como muitas vezes ao longo da História, a prostituição sobreviveu na clandestinidade, se destacando o papel dos cafetões, que aliciavam as prostitutas para seus clientes, e o disfarce que muitas utilizavam para oferecerem seus serviços. O resultado dessa prostituição clandestina foi a disseminação de muitas doenças sexualmente transmissíveis. Na França, também, foram tomadas muitas medidas para o controle da prostituição o que Foucault chamou de Grand Renferment, através dos quais prostitutas foram enviadas às instituições de saúde para serem tratadas e reintegradas à sociedade. Por ser considerada pelo governo francês uma necessidade de manter a prostituição ativa, porém controlada, paradoxalmente eram concedidas licenças para o funcionamento de bordéis (casas de tolerância) devidamente fiscalizados e mantidos em áreas restritas para tais fins. Muitas sociedades civis e particulares foram criadas para combater a prostituição, devido aos apelos por moralização das classes burguesas emergentes, numa tentativa desenfreada de “civilizar” a prostituição. Esses movimentos “pró-moral” também tiveram seus correspondentes na Inglaterra, onde a nova burguesia de ressaca puritana apostava na família nuclear, onde a mulher seria o eixo. Temos em Rousseau (filósofo iluminista), um simpatizante dessas teorias, onde a mulher se encontra em posição inferior aos homens e s mesma deve dar continuidade a uma carreira maternal. Devido a muitas perseguições de ordem moral, muitos freqüentadores dos submundos europeus desenvolveram gírias que facilitaram sua conversação sem serem entendidos por pessoas não afins, em Londres essas gírias levaram o nome de talking flash.

Pelo que podemos perceber o século foi Sui Generis na história das mulheres. Toda a liberdade que elas obtiveram plantou sementes que séculos mais tarde culminariam em movimentos de cunho feminista em todo o mundo. No presente século muitas mulheres ainda são vítimas de exploração e violência sexual e doméstica e em geral recebem salários mais baixos que os homens. Esperamos que o presente trabalho possa servir de base para outros estudos que demonstrem os papéis brilhantes que o erroneamente chamado “sexo frágil” desempenhou no percurso da História.





3. MULHER NA IGREJA: O FEMININO E O CONFLITO
Patrícia Gomes


A luta pela emancipação das mulheres tem se dado, em todos os segmentos da sociedade, numa batalha secular e sempre esteve presente em todas as formas de sociedade, sendo mais intensa nas patriarcais. Muitas foram as conquistas, porém o caminho ainda é longo, especialmente no tocante a religião, em especial a Igreja Católica, tema que iremos abordar neste breve estudo sobre a posição, a luta e as conquistas das mulheres na Igreja Católica nos últimos tempos.

Nosso ponto de partida é um dos períodos da historiografia onde se deu uma das maiores repressões às mulheres. No livro “A mulher numa estrutura eclesial masculina”, um dos autores, Ida Raming, destaca as atitudes tomadas no intuito de relegar à mulher a um segundo plano na Igreja: “assim evoluiu o cristianismo ortodoxo, estabelecendo-se cada vez mais como religião do Estado, numa atitude de defesa contra as comunidades tidas como heréticas, hostil à mulher e a sua emancipação. Contribuíram para esta evolução não só os teólogos da Igreja Antiga como também os padres da Igreja do quarto até o sexto século. Impregnados da idéia de inferioridade antropológica e ética da mulher, reduziram-lhe a vida a duas formas: primeiro à situação de mulher casada e dona-de-casa, com obrigação de submeter-se, obediente, ao seu marido e viver, como matrona honesta, totalmente isolada do público; e mais tarde, ao estado da virgindade, ao qual está associada à exigência de transcender o sexo feminino, resumo da inimizade a Deus, de perigo e fraqueza morais e de assim torna-se homem espiritualmente”.

Essas foram as primeiras formas assumidas para fechar os caminhos da Igreja à mulher, apoiados no direito romano e por uma passagem bíblica (Gn 3,6; 6,2) ao qual a mulher é julgada como fonte de pecado e sedutora do homem. Deste período em diante os padres da Idade Média tem uma elevada autoridade em suas afirmações que valiam como jurisprudência equiparada às decisões conciliares e aos decretos papais. Desta forma o afastamento da mulher da esfera do ministério eclesiástico assume, neste tempo, uma forma cada vez mais jurídica.

Com o decreto de Graciano (1140), é revelado o concreto estado de escravidão da mulher e é autenticado, quando diz: “a mulher deve está sujeita ao homem em tudo”. E com este decreto é negado à mulher o exercício de funções pastorais, atividades culturais e litúrgicas.

Temos neste momento a concretização do que seriam os longos séculos de perseguição e opressão à mulher dentro e fora do mundo religioso católico.

Em contraponto, temos o trabalho realizado por Bárbara Pataro Bucker que faz um estudo detalhado de como a Igreja lidou com o feminino, sem deixar de pontuar os momentos de maior conflito nos conceitos psíquico-sócio- antropológicos, podendo começar no destaque dos estereótipos teológicos mais negativos e aceitos sobre a mulher que a autora destaca:

• A mulher existe só para a reprodução;
• A mulher existe para o uso, serviço, prazer e beneficio do varão;
• A mulher é a origem do mal e do pecado, fonte de perversão.



O trabalho de Bucker trás a conflitividade vivida dentro da Igreja Católica desde a leitura e interpretação do Antigo Testamento até os dias atuais, mas a perspectiva do seu trabalho não é de crítica ou de contestação ao que foi feito contra a mulher. Ela trás a Igreja como algo do ser e da fé, não como um campo de batalha entre homens e mulheres. A autora ressalta que Deus não fez restrições a sexo e via a todos como sua imagem e semelhança, defendendo homens e mulheres no campo da fé e com uma proposta de vida melhor para todos. Obviamente esse processo de divisão dentro da Igreja entre homens e mulheres tem raízes históricas e está em processo de mudança, logo requer dados para uma melhor compreensão da historiografia religiosa e a mulher neste contexto, começando esse panorama através das três principais idéias da teologia que estão bastante difundidas numa sociedade cristã patriarcal e secular. Embora a autora também destaque que esse quadro vem mudando lento, mais definitivamente a atuação da mulher na vida religiosa, e temas nunca antes discutidos agora já permeiam as reflexões do mistério eclesial, por exemplo: a ordenação de mulheres ao sacerdócio ministerial e uma das mais polêmicas como o celibato masculino. Neste ponto vale nos ater um pouco mais, como afirma, sobre este assunto, Nadine Foley (a mulher numa estrutura eclesial masculina): “o celibato é uma das questões mais intransponíveis para as mulheres, o celibato foi elevado à categoria do sagrado e passa pela questão do poder e das conseqüências do exercício do poder. O celibato institucionalizado distancia efetivamente a mulher da casta sacerdotal e constitui uma afirmação implícita de que a Igreja, em sua expressão hierárquica, não tem necessidade da mulher”. Podemos então observar dois pontos críticos de discordância entre os autores sobre as conquistas feministas na Igreja nos dias de hoje.

Segundo Bucker, foram fundamentais as mudanças ocorridas a partir do Concílio do Vaticano II (1962) realizado para a discussão dos oprimidos econômica e politicamente, logo a mulher estava inserida neste contexto e como os padres se relacionavam com estas comunidades. A Igreja é pressionada a mais uma renovação diante das mudanças sociais em todas as partes do mundo e novos estudos e condutas são adotas no intuito de acompanhar as exigências de todos aqueles que lutam por igualdade. A Igreja “sente” a necessidade de mudar e reformular o papel da mulher dentro da esfera religiosa dos dias atuais, nos vários pronunciamentos da Igreja, a mulher é persistentemente considerada como tendo uma “natureza própria” e um papel específico a desempenhar na empresa humana.

Ser mulher passa a ter outra conotação e para cristalizar essa mudança a Igreja busca a nova figura da mulher espelhada em Maria uma das mulheres que foi lida dentro de tudo aquilo que a Igreja sempre procurou valorizar na mulher. O Papa Paulo VI, em 1972, apontou que o que explica a diferença única da mulher não consiste numa formalista ou materialista igualdade com o outro sexo, mas em reconhecer o que a personalidade feminina tem característica essencialmente especifica: a vocação materna da mulher.

• A mulher como companheira;
• A mulher como esposa;
• A mulher como mãe.


Outros ramos de pesquisa tiveram ascensão e ocupam lugar de destaque na Igreja Católica “renovada” como a teologia feminista e a mariologia (estudo específico sobre Maria considerada Mãe da Igreja), sem dúvida com a luta e dedicação não só pelas mulheres mais também por homens memoráveis. O feminino deve ter seu lugar na sociedade e na Igreja para que a riqueza, dada por Deus à humanidade através da mulher, permita o desenvolvimento dela e as contribuições específicas como companheira, esposa e mãe.


4. OCULTISMO E MAGIA

Raphael Wellington


Para entendermos a visão moderna sobre as mulheres e como muitas foram parar nas fogueiras da Inquisição sob acusação de bruxaria precisamos entender o cerne do problema: o período medieval. A Idade Média foi consagrada como um período negro e cheio de superstições, etapa da história onde os ritos pagãos ainda eram praticados em várias regiões do norte da Europa. O curandeirismo e os rituais de fertilidade dos celtas são a essência da bruxaria tanto no período medieval quanto na sucessiva Era Moderna e tinham nas mulheres as maiores praticantes de tais rituais pagãos. Esta afirmação segue uma lógica histórica, pois, no geral, as mulheres ficavam em seus lares sendo criadas para manter suas moradias e questões mais práticas da comunidade, enquanto os homens, com exceção dos sacerdotes, tratavam de ações no campo da tradição guerreira.

O envolvimento das mulheres com a religião gerou muitos avanços, como o conhecimento do poder das ervas usadas na cura de doentes e alívio da dor do parto. Outro ganho a ser citado seria o primeiro calendário, o calendário lunar, utilizado por muito tempo e supõe-se ter origem no procedimento de mulheres que observavam seus ciclos menstruais e os comparavam com os ciclos da Lua. As mulheres desenvolveram também os idiomas, a agricultura, a culinária, a cerâmica, entre outros. As contribuições das mulheres para as culturas humanas são inúmeras e nunca tiveram o devido crédito e valor.

Após a cristianização da Europa, o catolicismo começou a perseguir e condenar as práticas pagãs, tratando-as como diabólicas. As mulheres, antes com importante destaque pelos seus conhecimentos, começam a ser vistas como as portadoras do pecado, tal visão pautada no livro do Gênesis, em que Eva leva o seu companheiro Adão a cometer o pecado original, tornando a si e seus sucessores mortais. Também por ser a primeira mulher, fruto de uma costela de Adão, foi interpretado como conseqüência de que as mulheres não poderiam ser retas em suas condutas. Esses argumentos serão as bases para teólogos da Igreja que se exprimem em obras como o volumoso tratado dos dominicanos Malleus Maleficarum, de 1486, e a Summis desiderantes affectibus, de Inocêncio VIII. O primeiro coloca na sexualidade a porta para entrada do demônio, pois é através do sexo que o demônio poderia entrar no corpo e na alma do homem. Segundo a obra, as mulheres são o maior canal para a ação demoníaca.

No Malleus Maleficarum, sua principal característica é afirmar que as feiticeiras adquirem todos os seus poderes por copularem com o demônio. Todos os males, como aborto, destruição de colheitas, doenças em animais, impotências masculina, impossibilidade do homem se livrar das paixões desordenadas, entre outros, são causadas pelas feiticeiras. A sexualidade era o ponto mais crítico, pois é um aspecto vulnerável no ser humano, e segundo o livro “mas a razão natural está em que a mulher é mais carnal do que o homem, o que se evidência pelas suas muitas abominações carnais”. Desse modo, qualquer mulher disposta a tratar pequenas enfermidades ou ferimentos com preparados domésticos à base de ervas, morasse sozinha e tivesse um animal de estimação (um gato, por exemplo), tivesse comportamento pernicioso, entre outras alegações superficiais, podia ser acusada de bruxaria.

O pensamento moderno nos primeiros séculos sobre a feitiçaria teve como base teorias e superstições medievais, pois o pensamento racional voltado a explicação e a visão dos fatos do “sobrenatural” só viria a amadurecer por volta do século XVIII. A forma de descobrir uma bruxa e julgá-la na Era Moderna ainda seria a mesma praticada na Idade Média. A tortura, como é sugerida no próprio Malleus Maleficarum, era o método convencional utilizado para extrair as confissões das supostas bruxas, com o uso comum de aparelhos como A dama de ferro e a Cadeira das bruxas. Havia também métodos menos sofisticados, como aquecimento dos pés ou introdução de ferros sob as unhas. Deste modo, a ré passava por tantos suplícios que acabava por admitir as sentenças elaboradas pelo inquisidor.

O mundo anglo-saxão aderiu à luta contra a bruxaria tardiamente. Na Inglaterra, os procedimentos jurídicos de proibição à feitiçaria somente foram fixados em 1664, com os Suffolk Assizes, de Sir Mathew Hale. Ainda assim não podem ser comparadas às funestas dimensões da caça às bruxas dos países católicos. A explicação para isso deve-se há não existência entre os protestantes de uma instituição tão poderosa como a Igreja Católica, que via na heresia a marca da subversão. Contrário a toda visão “hiperbólica” da caça as bruxas e em defesa da Igreja católica, cito Zenit Manfred Hauke, sacerdote, professor de teologia dogmática da Faculdade de Teologia de Lugano e presidente da Sociedade Mariológica Alemã:

“A deplorada (caça as bruxas) não foi causada simplesmente pela crença na bruxaria, mas por uma histeria coletiva desencadeada ao início da era moderna, e pelos métodos absolutamente inaceitáveis empregados para detectar bruxas e bruxos. A tortura com efeito levava a «confissões» de delitos inventados, sugeridos pelos acusadores. A responsabilidade direta de ter mandado à fogueira supostos maléficos é da autoridade pública. A histeria coletiva (que culmina nos anos 1550-1650), estendia-se sobretudo pelos países germânicos e eslavos e muito menos no âmbito mediterrâneo”.


Dados apresentados pelo mesmo teólogo mostram as execuções de supostas bruxas no transcurso de quatro séculos quando se praticava a perseguição ativa da bruxaria. Foram mortas 50.000 pessoas, dos quais cerca de 20% eram homens. Na Espanha, Itália e Portugal, de meados do século XVI ao final do século XVIII, houve 12.000 processos contra supostas bruxas e bruxos. Só 36 pessoas, nestes milhares de processos, foram submetidas à pena capital. A imensa maioria dos processos da inquisição romana encerrou por falta de provas.

Um exemplo marcante dessa histeria coletiva acabou com um triste episódio gerado pela superstição e credulidade, levando, na América do Norte, aos últimos julgamentos por bruxaria na pequena povoação de Salém, Massachusetts, numa noite de outubro de 1692. O medo da bruxaria durou cerca de um ano, durante o qual vinte pessoas, na sua maior parte mulheres, foram declaradas culpadas e executadas. Temos na História casos de mulheres que se declararam bruxas e foram executadas sem mudar suas convicções, este é o caso de Isobel Gowdie, escocesa julgada por bruxaria em 1662, aparentemente sem tortura, confessou com detalhes seus atos de bruxaria, mantendo assim o folclore da época vivo.

Como existiam bruxas também existiam os caçadores de bruxas na época, um exemplo é Matthew Hopkins (1620 – 1647). Filho de um ministro puritano, que se auto intitulou “caçador de bruxas” e organizou caças às bruxas em Suffolk, Norfolk, Essex e Huntingdonshire, na Inglaterra. Ele empregava a técnica do “banho das bruxas”, em que mergulhava num lago as suspeitas de bruxaria, como a água é associada ao batismo cristão, pressupunha-se que o lago rejeitaria a bruxa, fazendo-a flutuar. Uma pessoa inocente afundaria, possivelmente morrendo afogada.

Na Inglaterra, observou-se um número crescente de juízes que começaram a desconsiderar as sucessivas denúncias de bruxarias que chegavam às cortes, apesar da legislação contra aquelas práticas só ter sido revogada em 1736. A perda do medo às bruxas também pode ser creditada à crescente expansão das luzes, aos avanços da razão, da educação e da lógica científica que culminaram na máxima "se não há diabo, não há Deus." Em 1782, na Suíça é registrada a última mulher européia que foi executada como feiticeira.


5. AMULHER TRABALHADORA E ADMINISTRADORA

Manoel Carvalho Niño Júnior

Geralmente as mulheres dos séculos XVII e XVIII são expostas, no que diz respeito ao seu papel social, elas são definidas como simples elementos de propriedade do chefe da família, seja ele o pai ou o esposo, cuja atuação remete apenas ao âmbito doméstico, ou seja, cuidar do lar, da prole e do cônjuge, tendo exíguas atividades externas a casa, como ir à igreja, por exemplo.

Entretanto, descobriu-se que a mulher dessa época, ora considerada submissa e apenas detentora de deveres, teve seus episódios de autonomia a partir do momento em que exerceu uma das suas facetas mais interessantes: a de administradora. Com efeito, quando se aborda essa característica, somos remetidos ao seio do lar, tendo a mulher apenas como protagonista das atividades domésticas, todavia, ao nos aprofundarmos em pesquisas sobre o cotidiano, veremos que essa habilidade vai além do que dita o senso comum.

Segundo Nicole Castan, a mulher, de modo geral, é alijada das funções de caráter público e dos encargos externos (políticos, administrativos, corporativos, etc.), cabendo a ela “o papel oficioso [gratuito, serviçal] – reconhecido não sem acrimônia, aliás -, porém não oficial”.

Entre os séculos XVI e XVIII, todavia, têm-se registros de corporações de ofícios femininos, ou mistos, em geral, formadas por integrantes das classes populares: é o caso das arrumadeiras, das costureiras, comerciantes de moda, bem como das vendedoras e vendedores de grãos, entre outros. Ainda nesta época, várias mulheres trabalharam em Paris como “moças maiores”, termo que denomina mulheres independentes, nem casadas, nem viúvas.

A mulher, então tida como serva, entretanto, passava a se posicionar como senhora a partir do momento em que o chefe da família deixava expor suas limitações, quando, por exemplo, em suas mãos caíam assuntos de trato doméstico para uma resolução. Tal situação atribui à mulher um controle tal que, estando o elemento feminino, suprido de suas virtudes básicas como a modéstia, dedicação e economia, aliás, virtudes bastante demandadas, que faz com que se reconsidere a opinião de uma sujeição austera ao chefe familiar. O que vem a ocorrer, segundo Nicole Castan, é mais um repartimento de domínio e funções.

A inclusão feminina no mercado de trabalho ocorre pelo caminho da filantropia, empregada pela mulher da classe dominante para obter um pretexto para se retirar das restrições domésticas. A relevância do lar e da vida em família nas classes médias, desde o século XVII, reforçam o conceito de que as funções caseiras e educativas diziam respeito ao universo feminino. Acompanhando esse mesmo incitamento, as mulheres das classes populares procuram diferentes alternativas, vindo a agir de modo coletivo, como demonstrado anteriormente.

A partir do momento em que a estrutura familiar se altera, por volta do século XVIII, devido ao avanço burguês e ao início do processo industrial, a mulher é levada a ficar restrita ao âmbito doméstico, diferentemente do período pré-industrial, no qual a casa abrigava tanto o ambiente familiar quanto o laboral, tendo a família, principalmente a esposa-mãe, de auxiliar o esposo-pai nos seus negócios, o que dava à mulher um contato maior com o mundo externo ao lar, visto que a atividade envolvia a todos. Isso podia ser visto tanto no ambiente urbano como no rural. A mulher podia gerenciar com o marido o empreendimento, ainda que com restrições. E, muitas vezes, tais empreendimentos eram originários dos valores correspondentes aos dotes matrimoniais, que acompanhavam a esposa.

Salvo algumas exceções, sendo integrante das classes superiores ou viúva, por exemplo, a mulher não participava efetivamente da economia externa, mercantil: não é vista no fechamento de contratos ocorrentes nas feiras; a manipulação do dinheiro e do crédito não faz parte da sua alçada, bem como a gerência do patrimônio. Até a solicitação de dinheiro ao marido era, para muitas esposas, motivo de acanhamento e vergonha.

Entretanto, se nos aprofundarmos no universo feminino, podemos observar uma circulação secreta e informal de valores monetários, bens materiais, mantimentos, roupas, serviços, diversas vezes efetuada sem que os homens tomassem conhecimento. Armava-se, então, uma rede solidária na qual ficava evidente a flexibilidade de manobras exercidas pelas mulheres, de modo que elas exerciam uma autonomia de ações sem, no entanto corromper as expectativas de posicionamento impostas pela sociedade. Casos como o de camponesas que, em plena madrugada, reúnem-se em grupos de três ou quatro componentes, e partem para o mercado próximo no intuito de comercializar ovos e/ou produtos de sua horta, tendo o produto desse comércio, como destino certo, seus cofres pessoais, segundo exemplifica Castan.

No tocante às mulheres do meio rural, aliás, podemos dizer que elas não passaram por tantas alterações nas suas relações laborais e administrativas, visto que o grosso das mudanças no campo socioeconômico se concentrava com mais intensidade nas áreas urbanas. As divisões funcionais do campesinato obedeciam aos costumes de há muito determinados, podendo-se, inclusive, afirmar com alguma firmeza de argumento, que as atividades entre homens e mulheres no campo se equivaliam, excetuando-se, evidentemente, aquelas do interior do ambiente do lar.
Os primeiros movimentos organizados de luta de emancipação feminina tiveram origem no século XVIII, tendo nos escritos da francesa Olympe de Gourges (1748-1792) e da inglesa Mary Woolstonecraft (1759-1797), entre outras, as bases para atender aos anseios das mulheres por uma participação mais incisiva na formação geral da sociedade na qual viviam, através da conquista da cidadania, o que incluía também o direito a usufruir das benesses advindas do trabalho.
Encontramos algumas ocupações exercidas pelas mulheres que apresentam peculiaridades interessantes, como por exemplo, as taberneiras que, em geral, são viúvas e herdam o empreendimento do marido; dependendo em que local as tabernas se situam, estas também podem ter a função de estalagens e, ainda não raro, de bordéis, nos quais as taberneiras poderiam obter um lucro considerável, a ponto de algumas delas acumular uma fortuna razoável com o mercado do sexo.

Outro caso típico de empreendimento é o caso das religiosas internas em conventos que, para colaborar com a manutenção de suas ordens, algumas destas investiam na atividade de costura e trabalhos manuais, bem como na produção de artigos culinários, do qual são famosos os doces oriundos dos conventos portugueses. Os conventos femininos também merecem destaque pelo fato de serem espaços nos quais as mulheres, ainda que estivessem submetidas à hierarquia da Igreja, dominada pelos homens, puderam construir uma estrutura própria de relações, sua própria administração, com práticas por elas determinadas, o que fez com que as religiosas experimentassem um nível de autonomia, enquanto grupo, de aspecto magnífico.

Podemos chegar ao máximo extremo da atuação feminina na Idade Moderna, se exemplificarmos o caso de duas mulheres que regeram suas nações, de modo tal que tiveram seus nomes inscritos juntos aos de outros grandes lideres, homens em sua maioria. A primeira é a rainha Elizabeth I (1533-1603), da Inglaterra, que governou de 1588, até à sua morte. Filha do rei Henrique VIII, seu reinado foi denominado Período Elizabetano ou Era Dourada. Seu governo foi marcado por medidas que elevaram o reino inglês a um patamar de potência, que seria uma marca profunda na história mundial durante séculos.

Entre os fatos que fizeram a história de seu reinado, está a retomada da adoção do anglicanismo como religião oficial, revogando a ação de sua irmã Maria I (Mary Stuart), que havia tornado o catolicismo a religião do Estado, promovendo, inclusive, perseguições aos protestantes. Outro evento que marcou o governo de Elizabeth I foi a supremacia política na Europa, obtida através de vitórias contra a Espanha e sua Invencível Armada, o que contribuiu sobremaneira para a expansão do que seria o Império Britânico.

A outra personagem monarca que obteve relevância no continente europeu durante a Era Moderna, foi Catarina II, da Rússia (1729-1796), cujo reinado foi caracterizado pelo chamado “despotismo esclarecido”, tendência que alguns monarcas europeus seguiram, que visava adequar as estruturas econômicas de seus países à burguesia, ora em ascensão, bem como mesclar idéias iluministas ao modo absolutista de governo.
Autocrata convicta, Catarina II, entretanto, estabeleceu laços de proteção com filósofos e artistas, tendo, inclusive, mantido correspondência com Voltaire.
Entre suas ações de governo, estão a construção de escolas, hospitais, reformas no sistema de saneamento básico em São Petersburgo, além de promover uma importante reforma administrativa. No campo político, sufocou, em 1744, a Revolta dos Cossacos, e empreendeu também a expansão do território russo, graças às conquistas frente à Turquia (1787) e à Polônia (1793 e 1795).

Enfim, no decorrer da Idade Moderna, a mulher sempre buscou administrar não só o seu lar, um negócio, ou até mesmo um país, mas, principalmente, os rumos do seu destino.






REFERÊNCIAS


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