quarta-feira, 15 de outubro de 2008

NATUREZA, CIÊNCIA E ARTE NA EUROPA DOS SÉCULOS XVII E XVIII

Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de História
História Moderna II (Professor Severino Vicente da Silva)

Equipe:Mateus Simon,Taciane Martins,João Henrique Pinheiro,Pedro Lira




CIÊNCIA, NATUREZA E ARTE NA EUROPA DOS SÉCULOS XVII E XVIII


1. A construção da ciência européia: uma “Revolução científica”?

Ao ler os livros e manuais mais divulgados sobre a história da ciência européia nos séculos que nos propusemos a estudar, é comum encontrar o discurso que o século XVII teria alçado a prática científica a um novo patamar, causando uma verdadeira “Revolução científica”, modificando toda a estrutura mental da época, comumente chamada de “Era clássica” ou período Barroco. Essa “Revolução” seria devida às renovações na Astronomia após Nicolau Copérnico (1473-1543) ter defendido a teoria do heliocentrismo, a chamada “revolução copernicana” (Thomas Khun). A apropriação das descobertas de Copérnico por Galileu no início do XVII e essa “mudança de paradigma” seriam o início da ciência moderna, juntamente com o “racionalismo” cartesiano e o “emprismo” de Francis Bacon (1561 – 1626).

Essa teoria traz uma séria de problemas quando se considera, por exemplo, que essa ciência seria um paradigma único e constante no pensamento desse período, sendo quase que uma evolução natural, desde o pensamento “antropocêntrico” do Renascimento até a ciência do século XIX. Na verdade, esse tipo de esquema de explicação esquece os longos debates que ocorreram entre os intelectuais da época, as controvérsias, dificuldades e os aspectos mais duvidosos dessas teorias. O que se apresenta, na maioria das vezes, como bem alertou John Henry (1998), é uma decantação dos debates científicos da época, mostrando apenas o lado que teria “contribuído” para a “ciência moderna”, e para nosso próprio pensamento científico.

É desnecessário retomar como esse pensamento cai nos esquemas de uma teleologia e de um anacronismo, jogando nossas próprias concepções no passado. Além disso, ao ver a ciência como uma coisa homogênea, esquece que muitos dos ditos "progressos" da Era Clássica, não são em si próprios dessa época. Alexandre Koyré (1991) chamou atenção para o fato que algumas categorias que aplicamos à ciência moderna, como uma nova atenção ao conhecimento empírico, a aplicação da matemática, física e geometria à visão do cosmos (entendido como o mundo conhecido) e da lógica "racionalista" ao pensamento, não são específicas da idade moderna, mas ressurgem e se apagam ao longo da Baixa idade média e do Renascimento, com Nicolau de Cusa e Guilherme de Ockham na passagem do século XIII para o XIV, por exemplo. Por outro lado, contesta a idéia da "contribuição científica do Renascimento", mostrando como o ideal renascentista foi muito mais de retórica do que de ciência como hoje pensamos. Dessa forma, não seria possível traçar uma linha clara e uniforme ao longo desses séculos.

O trabalho de Michel Foucault (1992) também se contrapôs às freqüentes insistências de certa historiografia da ciência, insistindo ele nas rupturas epistemológicas entre o Renascimento, a Era Clássica e a "nossa Modernidade", que teria sido forjada no século XIX. Trocou o termo "ciência" pelo genérico "saberes", de forma a dar conta da especificidade dos conhecimentos da época, e fazendo uma análise com fortes tons estruturalistas (em torno do conceito de epistême) dos principais temas de cada um desses períodos.

Já o italiano Paolo Rossi fez um amplo trabalho documental, reconstituindo os debates científicos dede o Renascimento, mostrando a impossibilidade de se aplicar termos demasiado generalistas, como "os aristotélicos" ou "paradigma da ciência moderna", demonstrando como o que existiu foi uma pluralidade de caminhos, muitas vezes conflitantes, entre diversas correntes de pensamento, e que foram posteriormente, reformulados pela historiografia oitocentista. Paolo Rossi atentou para fatos interessantes, como o forte diálogo entre a ciência dos seiscentos e dos setecentos com a exegese bíblica, com a tradição hermética da alquimia e da astrologia, e com uma ciência especulativa, em torno de "outros mundos" possíveis, a partir da abertura da idéia de universo. Esses temas mostram os limites de se aplicar uma noção demasiado "racionalista" aos séculos que tratamos.

A intenção deste trabalho é, destarte, mostrar alguns dos temas que achamos interessantes de expor, e supõe alguns recortes. Primeiramente, destacaremos o papel da astronomia nos debates do período, personificados nas figuras de Galileu e de Isaac Newton; Eles exemplificam uma mudança na visão de cosmos e do lugar do homem no universo, operando o que Koyré chamou da passagem de um "universo fechado e hierarquizado", representado de uma forma genérica pelo modelo de Aristóteles e Ptolomeu (século I e II) para um "universo infinito e homogêneo". Por esse debate passam questões da física, da geometria e da matemática, mas também um forte diálogo com o pensamento astrológico. A segunda parte trata das ciências da natureza que posteriormente seriam agrupadas na "Biologia", mas que à época era conhecida como História Natural. Em torno dos debates sobre uma forma "científica" e "iluminada" de se conhecer o mundo natural, uma nova sensibilidade em relação à natureza se forma dentro das elites européias, e que se reflete também nas colônias, e que é um dos inícios do pensamento ecológico. Por fim, essa sensibilidade nova será mostrada a partir das artes, nas gravuras e pinturas das expedições científicas, que se tornam cada vez mais freqüentes no XVIII e no XIX, como resultado dos interesses dos Estados modernos e das próprias modificações nas ciências.

Pensar os intelectuais e os saberes nesse período é ter em mente, também, toda a reforma dos Estados absolutistas, que se colocam no projeto da formação de uma corte e de uma elite de funcionários estatais "esclarecidos", conhecedores das ciências naturais, das letras, do direito, da economia. Esses saberes que trabalharemos se desenvolvem à margem das universidades, concentrados em torno de Academias, Jardins botânicos e Herbários; fazem parte do movimento de construção das ciências como um instrumento do Estado, em torno de interesses concretos, mas também movimentam um discurso que versa como a difusão da "filosofia natural" e o interesse pelo funcionamento da natureza se constitui numa forma de aprimoramento moral, uma virtude necessária para o projeto de homem esclarecido do século XVIII. Por esse ponto de vista, é extremamente difícil delimitar entre esses intelectuais quais seriam propriamente "botânicos", "físicos" ou "matemáticos", posto que a especialização desses saberes se dá em grande medida no século XIX. O que se vê são pessoas interessadas no funcionamento da Natureza enquanto projeto de saber, agrupado de forma geral em torno da noção de "filosofia natural", como conhecimento amplo das vicissitudes humanas. Grande parte dessa tradição vai se desenrolar em uma elite preocupada na atuação em diversas áreas, como o aprimoramento da agricultura, a gestão econômica do estado, o manejo dos recursos naturais e finalmente na construção de um saber já embrionariamente "científico", no sentido de possuir uma linguagem própria, espaços específicos de pesquisa e atuação, e de métodos e objetos bem definidos. Nesse sentido, também tentaremos mostrar que somos de certa forma herdeiros desse emaranhado de conhecimentos, e de que forma eles chegaram até nós.


2. Galileu e seu tempo: começos do pensamento científico moderno.

Com esse escrito propomos a não fazer uma biografia do famoso cientista, mas divagar sobre as conseqüências de seus atos, bem como alguns aspectos específicos de sua vida. Afinal, existem muitas biografias que, por mais que sejam importantes, elas são limitadas a vida cotidiana do biografado. Com poucas exceções.
Parece que talvez nem Galileu Galilei soubesse de suas implicações quando propôs o seu sistema de linguagem matemática à natureza. Sempre tachada como um marco da superioridade da ciência européia para com o resto do mundo. Mas será mesmo isso? Antes de continuar por essa via, é necessário falar brevemente sobre Copérnico, para assim compreender a evolução do pensamento científico de Galilei na Europa do século XVII.

Copérnico, nascido na região da Polônia de hoje em 1473, se dedicou a vários seguimentos científicos como medicina, filosofia, astronomia e aprendeu grego e latim. Tornou-se eclesiástico e estudou a fundo o sistema Ptolomaico do cosmos. Não poderei reproduzir os cálculos matemáticos que o levaram a afirmar que, ao invés da terra imóvel no centro do sistema solar, ele propõe o sol. Escreveu um livro chamado “de revolutionibus orbium coelestium libri sex” onde expôs sua teoria em duas partes, uma discorrendo sobre um tratado trigonométrico e na segunda parte mostrando algumas provas de que a terra gira ao redor do sol.

Apesar de alguns amigos de Copérnico insistirem com ele para publicar suas idéias, o referido livro acima só foi publicado no final de sua vida. Apesar de ter apoio mesmo dentro da igreja, ele tinha certo receio de publicá-las e ser queimado na fogueira. De fato, a sua afirmação que o sistema é heliocêntrico, não agitou a classe conservadora da inquisição. Mas só o foi quando Giordano Bruno (1548 -1600), que adotou e propagou suas idéias em várias cidades, assim como incorporou outras idéias, provavelmente vindas da China, sobre um espaço sideral vazio e infinito com outros planetas, as idéias de Copérnico tornaram-se perigosas. Alguns dizem que Giordano Bruno não era um matemático, ou então entendia pouca coisa sobre os cálculos astronômicos, mas o fato dele ter sido queimado, pouco tem haver com sua inteligência a este respeito, mas muito mais por ter propagado idéias que feriam as santas escrituras assim como a autoridade da igreja católica.

O fato é que Copérnico, apesar de ter sido um grande astrônomo, não revolucionou a astronomia pondo o sol no lugar da terra. Pois, ele utilizara os mesmos conceitos Ptolomaicos de séculos atrás para justificar a sua idéia. Ou seja, ele ainda acreditava em um sistema finito, perfeitamente esférico, onde o sol com sua natureza divina, deveria ficar no centro e irradiar igualmente seus raios para todos os planetas. Assim, dirá Thomas Kuhn que “o movimento da terra fora simplesmente transferido para o sol”.

Mesmo que não atribuamos esse fato como uma grande revolução, de fato, é uma mudança que terá em Galileu Galilei uma espécie de plataforma, para continuar as idéias de Copérnico até prová-las como sendo verdadeiras em um outro tipo de linguagem.
Mas nem sempre Galileu Galilei usou uma linguagem diferente da tradicional da época (Bíblia). Antes de lançar as bases de uma outra visão ligada à natureza, ele tentou, sem sucesso, espelhar as suas descobertas nas santas escrituras. Ele queria justificar suas conclusões sobre o heliocentrismo através das falas e salmos do evangelho, onde também havia interpretações para o sistema Ptolomaico da terra sendo imóvel e no centro. Enfim, com a criação da luneta em 1608 por Zacharias Jassem, Galileu se anima e prontamente constrói o seu sem, mesmo ter um modelo em mãos, apenas por descrições orais. Não há como negar o seu gênio, e após construir sua luneta de aumento 3x e apontá-la para o céu, descobrindo que não tinha grande nitidez, constrói o primeiro telescópio com um aumente de 30x. É com ele que Galileu incrementa as suas observações e faz cálculos mais aproximados que aqueles de Copérnico, e vê que as escrituras estavam erradas.

Tendo também amigos eclesiásticos, Galileu apresenta ao vaticano suas intenções sobre o sistema heliocêntrico, que é reprovado por um certo cardeal de nome Belarmindo. Na igreja da época existiam basicamente dois segmentos: um mais fechado e radical cujo este cardeal fazia parte e outra mais aberta. Quando Galileu esteve em Roma e apresentou o telescópio aos sacerdotes, foram vários os eclesiásticos que se negaram piamente a verem o céu com aquele instrumento. Alegando que se Aristóteles disse que o sistema solar era de um jeito, não haveria necessidade de olhar para o céu. E se não fosse igual ao que Aristóteles dissera, então, o que se vê só poderia ser um engano.

É somente após a morte de Belarmino e do papa da época, Paulo V que Galileu se viu numa nova oportunidade de mostrar os seus trabalhos ao novo papa, Urbano VIII. Nesse ínterim, Galileu escreve obras que enaltecem a igreja católica afirmando sua superioridade, talvez, se nos permitem especular, para angariar a simpatia do novo papa. Ou como o Rossi escreve: “Os cientistas modernos, Galileu em primeiro lugar, agem com uma desenvoltura e um oportunismo metodológico que são totalmente desconhecidos da tradição medieval.”

É precisamente neste momento por volta de 1623, em que Galileu vai ao vaticano e apresenta a sua teoria revolucionaria no livro il saggiatore. Com a dedicação ao papa Urbano VIII e sua devida aprovação, passa despercebida a idéia que ira agitar a Europa nos anos posteriores. Apesar de ser citada a obra “dialogo sopra i due massimi sistemi Del mondo, tolemaico e copernicano” ou simplesmente “diálogos”, como a que mais chamou atenção na época, ele foi apenas a causa de sua condenação, por motivos óbvios.

Depois da entrevista com o papa Urbano VIII, que lhe concede a autorização para estudar as teorias de Copérnico, Galileu escreve “diálogos”, uma obra de caráter popular (em língua italiana e não latim como era comum em obras científicas) falando sobre as duas teorias vigentes. A saber: geocêntrica e heliocêntrica. Ainda que seja de língua popular, a obra é carregada de simbolismos que de certa forma ridicularizam a visão da igreja e enaltecem a teoria heliocêntrica.

Vejamos: a obra é uma longa discursão de três personagens sobre o sistema solar. Eis os personagens:
• Salviati: propaga as idéias de Copérnico
• Sagredo: é um observador neutro
• Simplicius: representa as idéias da igreja católica

Logo no princípio Salviati conquista a simpatia de Sagredo que juntos irão ridicularizar as idéias de Simplicius até o fim do livro. Evidentemente, que ao ler a obra, o papa Urbano VIII se sente traído, e a inquisição manda chamar Galileu para ir a Roma ser julgado. Alegando que estava doente e velho não poderia comparecer, até que foi ameaçado ser levado a força amarrado até com correntes, ele foi. Lá, foi julgado por ter propagado idéias heréticas e condenado a nunca mais defendê-las e forçado a exilar-se. No exílio, Galileu continua o seu trabalho em astronomia, chega a ficar cego, mas consegue ainda produzir um último livro chamado “discurso a respeito de duas novas ciências”, antes de sua morte em 1642.

Seu legado é grande: contribuiu para a teoria do heliocentrismo, lançou as bases do conceito da inércia, descobriu manchas no sol, escreveu um tratado sobre a aceleração dos corpos em queda livre, além de ter descoberto que a lua não era uma esfera perfeita e lisa como dissera a igreja e Aristóteles, mas levemente arredondada e cheia de crateras vista através da luneta, embora tal afirmação pudesse ter levado a pensar que todos os planetas seriam assim.

A maior contribuição que Galileu legou a posteridade foi ter dado uma linguagem matemática à natureza. Isso terá serias implicações, que, talvez nem o próprio Galileu e a igreja tivessem se dado conta. Pois essa será um dos prenúncios da decadência da igreja católica nos séculos posteriores.
Apesar de ser o precursor da Ciência Moderna, Galileu Galilei acreditava piamente em deus e nas santas escrituras. Ele não ousava dizer que eram mentiras as palavras escritas na bíblia, mas dizia que os homens poderiam enganar-se facilmente e levar-se a conclusões errôneas no que diz respeito as Ciências Naturais, pelas diversas traduções que a bíblia teve.

No livro, il saggiatore, Galileu Galilei estabelece que há duas linguagens pela quão o ser supremo se expressou. Uma, foi através das santas escrituras para ser dada aos homens e a outra através das ‘leis’ que regem a natureza. Por que será tão impressionante este fato? Primeiro que, se observamos bem, o conteúdo da linguagem das escrituras não são as mesmas da natureza. Pode até existir um paralelo na astronomia, mas a grosso modo, falam de assuntos divergentes. Com isso, Galileu diz nas entre linhas, que existem duas explicações para um fato natural: a religiosa tida por como “...ser reservada em último lugar” em uma discussão (palavras do próprio Galileu) e a outra através da linguagem matemática para desvendar o grande livro da natureza. Sem perceber o papa Urbano VIII deixa que exista duas linguagens para explicação de um fato, e quando essas duas visões se chocam, qual seria a vencedora? Algumas décadas depois, o que terá é a linguagem da bíblia entrando em grande decadência e a linguagem da natureza com as leis físicas em franca ascendência.

Mas, primeiro, falaremos mais sobre essa linguagem das escrituras. O verbo é algo susceptível às mais variadas interpretações. A linguagem não é exata, ela pode modificar-se ao longo do tempo, pode entrar em desuso ou mesmo assumir outros significados, vide Marcos Bagno. Quando o ser supremo ditou as palavras da santa escritura e depois foi passada de tradução em tradução, Galileu acreditou que os homens poderiam ter errado em uma dessas traduções, ou mesmo posto o seu ponto de vista neles. É por isso, que quando Galileu Galilei vai a Roma alertar o papa Paulo V sobre um pequeno erro nas santas escrituras, para que a igreja não se contradissesse, sobre um erro no que concerne ao sistema solar geocêntrico, ele é repreendido. Um erro humano de interpretação por certo, jamais um erro divino! Afinal, Galileu acreditava nas escrituras.

Então, com a certeza de que a terra girava ao redor do sol, através de suas observações, constatando a olho nu e pelos cálculos matemáticos, ele supôs que essa outra linguagem poderia ser uma outra forma de expressão das leis do divino. Em suas palavras, a natureza é “inexorável e imutável e não importa que as suas razões e os seus modos sejam expostos ou não a capacidade dos homens”. Essa nova maneira de ver o mundo, irá ser o embrião da Ciência Moderna, pois, algo para ser verdade terá que passar pelo crivo da matemática, da observação, do racional e não mais nas santas escrituras ou das lógicas sacerdotais. Agora a verdade não dependera da religião, e sim da matemática. Tal linguagem universal e imutável, pois os cálculos não metem, as pessoas é que podem errar e enganar-se com os números; mas em si, a matemática era a chave para descobrir as relações de deus através da observação da natureza.
Uma das citações mais importante de Galileu, talvez a que melhor defina essa nova visão de mundo revolucionaria, que aconteceu na Europa do século XVII, seja: “que as escrituras não deve se meter em outra coisa a não ser nos assuntos que concernentes a fé”. Em outras palavras, as verdades naturais só são possíveis de serem desvendadas através de cálculos matemáticos ou da observação e experimentação, e não mais da bíblia. Agora, as escrituras não servem para ser o juiz do verdadeiro e do falso, esse trabalho será dado pela Ciência Moderna.

Há outra implicação nesse raciocino. A linguagem da matemática não seria acessível a todos, desde camponeses até os eclesiásticos. Ela ficaria restrita aos eruditos católicos ou não, mas o importante é que ela seria para poucas pessoas. É muito mais fácil aprender a ler em latim do que resolver problemas matemáticos em relação aos movimentos celestes. Isso é tirar o poder de grande parte da classe sacerdotal que detinha o poder do verbo. Se agora a verdade está nas matemáticas da natureza, e quem domina essa faculdade são poucos, o poder da igreja se restringe mais. Será tantos cálculos, que mesmo um sacerdote matemático que os compreendessem, seria levado a crer no que os números diziam. Tempos depois a verdade estará nas mãos dos cientistas.

Apesar de ter revolucionado a visão de mundo, a Ciência Moderna ou a matematização da natureza, por si só não explicaria esse grande domínio que a Ciência exerceu no mundo. É preciso lembrar que a industrialização e os pensamentos novos da Revolução Francesa, impulsionados pela dominação dos povos, ajudaram a difundir esta idéia de Ciência da Europa para o resto do mundo. Fazendo com que, todas as outras concepções científicas, a exemplo da China, fossem atrasadas e ridicularizadas. Se não houvesse essa dupla revolução, a ciência moderna, talvez não se consolidasse tanto assim.
Enfim, a ciência moderna não nasceu da industrialização, (uniu-se a ela posteriormente) mas da imposição religiosa muito rigorosa sobre o mundo natural, fazendo com que os homens como Galileu, Copérnico, Kepler pouco a pouco elaborassem um conhecimento cada vez mais distante da visão radical da religião católica, que governou a Europa durante toda a Idade Média. Talvez se o catolicismo tivesse sido mais flexível e tentasse abarcar esses pensamentos contrários às escrituras, não assistiríamos o nascimento de uma linguagem tão opositora, como a explicação em bases matemáticas.

Pode até parecer contraditório que Galileu Galilei, acreditando em Deus e nas sagradas escrituras, pudesse desenvolver uma ruptura na concepção de mundo dos católicos. Mas, como já me referi acima, Galileu não sabia que as suas idéias dariam em uma ruptura tão radical da religião e da ciência, ou que o método científico seria a única explicação válida para os homens nas décadas posteriores. Assim, se antigamente havia relâmpagos porque deus estava em fúria, agora será “ Os relâmpagos consistem de uma descarga elétrica transiente de elevada corrente elétrica através da atmosfera. Essa descarga é conseqüência das cargas elétricas acumuladas, em geral, nas nuvens Cumulonimbus e ocorre quando o campo elétrico excede localmente o isolamento dielétrico do ar.”

2. A filosofia mecanicista.

Os séculos XVII e XVIII, como vimos acima, foram marcados por profundas mudanças na estrutura filosófica do pensamento. Neste ponto, analisaremos os continuadores da tradição galileana que, de certa maneira propagaram algumas de suas idéias-chave e as tornaram paradigma dominante (mas não unívoco) no pensamento europeu da época. Os teóricos iluministas começaram a introduzir o pensamento científico e gradualmente vamos chegando a noção científica que conhecemos hoje. Grandes pensadores vão complementando os raciocínios anteriores e ao mesmo tempo rompendo os paradigmas impostos pela tradição do tempo. É com a Filosofia Mecanicista que o mundo começa a sair da especulação partindo para um empirismo, tão necessário na revolução industrial.

Não diríamos que ela surgiu, pois sabemos que em tudo há um processo e, neste caso, parece que a antiga e tradicional “Filosofia Natural Escolástica” não satisfazia mais os interesses científicos que, muitas vezes, estavam atrelados interesses aos econômicos. Então os “revolucionários” deste período Iluminista iniciaram o longo processo de troca de mentalidades, que culminaria praticamente nas equações de Newton, posteriormente utilizadas para grandes máquinas dos séculos XVIII e XIX.

As mudanças prevaleceram como crítica ao antigo mundo físico de Aristóteles. Pensadores como Galileu, Copérnico, Kepler, entre outros, vieram para dar uma base aos pensadores desse momento. Renée Descartes, principal teórico mecanicista Francês, rompeu definitivamente os laços que os uniam aos pensamentos aristotélicos e às visões ptolomaicas do universo. O mundo físico foi alterado drasticamente para essas elites de pensadores: a propagação da luz à geração dos animais, da pneumática à respiração, da química à astronomia. Os pensamentos medievais aos poucos eram substituídos.

Dentre as características que podemos citar desses estudos filosóficos dos séculos do Iluminismo poderíamos citar:

• Explicações baseadas em conceitos matemáticos.
• Analogia da vida com o “Maquinismo”.
• Exclusão da intervenção teológica nos estudos.
• Distinções das verdadeiras propriedades do corpo(como tamanho e forma, movimento ou repouso).

A matemática entraria como um arcabouço teórico-prático para comprovação dos estudos. O convívio com as fórmulas matemáticas começou a fazer os pensadores acreditar que o mundo em que vivemos é uma eterna e perfeita equação. A busca pela “equação perfeita” ou “equação primordial” moveu os pensadores daquele período e a idéia de “Maquinismo” adentrou perfeitamente na concepção de mundo que se esperava. O mundo poderia ser quantificado matematicamente e desse modo haveria uma organização primordial. Como as incógnitas de uma equação ou as engrenagens de um relógio, a natureza funcionaria de uma forma extremamente complexa e perfeita. Regida por fórmulas matemáticas reais e possíveis de serem alcançadas. Uma das grandes mudanças que esse pensamento acarretou, foi a nova visão do homem perante o seu corpo. O corpo não é um mero instrumento da Alma, ele começa a perceber que o seu corpo é uma máquina extremamente perfeita que não funciona simplesmente porque Deus quer, mas sim porque há uma série de mecanismos que o fazem agir e interagir com o meio.

Tais avanços da teoria mecanicista não poderiam deixar de se confrontarem com os valores morais impostos pela Igreja. Pouco antes desse período, pensadores como Galileu e Copérnico foram obrigados a esconder seus estudos e preservarem a sua vida em detrimento da publicação dos seus estudos. Entretanto, os avanços liberais e burgueses dos séculos XVII e XVIII permitiram uma maior manifestação científica. Abrindo as portas para os conhecimentos tão sonhados que outrora foram queimados nas mentes e corpos de pensadores como Giordano Bruno.

O pensamento aristotélico que vinha sendo poderosamente enraizado na cultura européia desde a Idade Média é rompido, como dito anteriormente, e essa ruptura é causada pela incompatibilidade dos estudos aristotélicos com as necessidades científicas desta época. As propriedades da matéria começam a serem vistas de outra forma. Tamanho, forma, movimento ou repouso, tornam-se os conceitos fundamentais para se conceber a matéria como matéria. Já os antigos ensinamentos de Aristóteles funcionam como uma descrição totalmente secundária. No caso, as definições de gosto, cor, odor, calor ou frieza tornaram-se meros objetos de distinção da matéria.

Essas novas definições do Corpo, também estavam atreladas ao avanço do pensamento relativo ao “átomo”. Uma saraivada de pensadores iluministas retomaram as filosofias dos Gregos Epícuro e Demócrates, em especial Gassendi. Para eles os átomos seriam um novo universo que surgia aos nossos olhos, uma realidade paralela onde as leis e ordens seriam um caos em nosso mundo. Muitos dos “defeitos” do nosso mundo seriam explicados por esses “átomos”. Os átomos surgem como uma iluminação da antiga obscuridade da matéria. Deus, agora é a intervenção de pequenas partículas no nosso cotidiano; os átomos tornam-se definitivamente a parte fundamental da estrutura da matéria.

René Descartes termina sistematizando o método ideal. Em seu sistema a matemática aparece como instrumento fundamental dos amigos do saber. A geometria aparece para explicar o cotidiano e até as leis do universo. O heliocentrismo de Copérnico era fenomenal e já havia convencido boa parte dos iluministas, entretanto, sua teoria era inacabada, pois não explicava o funcionamento dos astros. Os pensamentos baseados na dedução(que era um dos pontos extremamente contraditórios de Descartes, pois ele pregava o empirismo e a matematização, porém suas conclusões eram obtidas por métodos dedutivos matematicamente) tentaram explicar o universo através do “vórtice”. Esse vórtice provaria o porquê dos movimentos dos astros ao redor do sol. As suas teorias foram aceitadas por várias e várias décadas, até que um Inglês chamado Isaac Newton viesse aplicar definitivamente os conceitos mecanicistas. O mundo de Newton era o mundo que a filosofia mecanicista tanto sonhara, era um lugar matemático(como o de Descartes) e ao mesmo tempo poderia ser sempre provado e calculado(como as teorias da Gravidade, Inércia e Ação e Reação de Newton). O mundo científico caminhava para uma reviravolta nas suas aplicabilidades que seriam assistidas de perto pela população européia, que veria o “boom” do século XIX aflorar com a revolução industrial e as suas invenções.

Em outro sentido, desenvolvia-se dentro desses círculos de sábios “iluminados” um culto cada vez mais freqüente à práticas de observação e classificação da Natureza, que depois seriam reagrupados na Biologia, a ciência da vida. Nessa época, no entanto, essas práticas eram agrupadas em torno da chamada História Natural, nome que remontava à Antigüidade, mais especificamente à Plínio (séc. II-I AC.). Essa outra vertente do pensamento científico compartilha com o mecanicismo o fato de se pautar numa idéia da ordem geral do cosmos, como entidade compreensível, subdivisível e, portanto, classificável. Compartilha essas idéias dos astrônomos, mas lhes dão um sentido próprio, como veremos abaixo.


4. A História Natural e as novas sensibilidades frente à natureza no século XVII e XVIII.


O desenvolvimento da História Natural na Era Clássica ilustra uma série de questões da história da ciência. O conhecimento sobre o mundo natural não havia sido modificado, no essencial, desde as contribuições de Aristóteles à botânica e zoologia, que estabeleceu os primeiros critérios gerais de classificação dos seres naturais. Esse conhecimento foi mantido pelos sábios helenistas e pelos herbários da Idade Média, cujo marco é Discórides de Anazarbus, ainda no primeiro éculo depois de Cristo, que escreveu De Materia Medica, livro que circulou por todo o medievo, nos mosteiros em especial, e que marcada as utilizações medicinais das ervas européias. Esse conhecimento não foi especialmente modificado até a chegada dos árabes na península ibérica, que p4ossuíam uma ampla prática de aclimatação de plantas e de manejo agrícola em geral.

No período do renascimento, sob o impulso da imprensa e da descoberta das novas terras no além-mar, há uma profusão de bestiários, catálogos botânicos e manuais sobre a natureza. O conhecimento do mundo natural estava profundamente ligado ao emprego medicinal e mágico das plantas, bem como à coleção infindável de informações do mundo. O mundo era visto, segundo Foucault, como uma infindável rede de palavras e de símbolos, a ser decifrada e reunida. Nesse sentido, havia uma grande crença na influência dos astros na ação das plantas medicinais, das propriedades alquímicas das ervas e no papel simbólico exercido pelos animais. Livros como De rerum monstruorum historia de Ulisse Aldrovandi, o principal marco desse período, além de um amplo espaço para os dragões, unicórnios e sereias, incluem sempre na descrição dos animais suas referências na literatura clássica, os usos desses animais na heráldica, suas propriedades mágicas e simbólicas, além do seu habitat, seus hábitos alimentares, a forma de caçá-los, como cozinhá-los. Ou seja, uma enumeração exaustiva de todos os conhecimentos produzidos sobre tal ou qual animal. Paralelamente a isso, estava presente a idéia da “Grande cadeia do ser”, de origem mágico-religiosa. Nessa concepção, toda a criação estava interligada, numa hierarquia dos seres inferiores até a humanidade, e todo esse universo se relacionava com o modelo de perfeição, ou seja, o mundo supralunar de Aristóteles, o firmamento, havendo, segundo tradição neoplatônica, um reflexo do “de cima” no “de baixo".

Fora da cultura impressa da época, se desenvolvia uma íntima relação entre as comunidades rurais européias e a natureza. Keith Thomas (19xx) mostrou que esse conhecimento “popular”, na Inglaterra, via na natureza um espelho do homem, cheio de simbologias religiosas, de augúrios, de reminiscências pagãs. Essas comunidades possuíam complexos sistemas de classificação do mundo natural, em geral indicando os usos medicinais, as plantas com propriedades mágicas, os venenos, os animais que traziam maus presságios. É contra essa visão “antropocêntrica”, utilitarista, simbólica e religiosa da natureza que se posicionaram os praticantes da História Natural no século XVIII. Apesar de muitos naturalistas basearem-se nos conhecimentos populares, logo vão se distanciar dos “erros vulgares” e constituir uma ciência pautada apenas no conhecimento interno da natureza.

Ao longo da Era Clássica acontece, entre vários intelectuais europeus, uma discussão em torno da linguagem e de suas dificuldades em representar a realidade, ricamente documentada por Paolo Rossi. Segundo diversos desses autores, as “línguas naturais” (dadas ao homem por Deus), retomando o mito de Babel, seria uma forma de criar discórdia e incompreensão. Além disso, a língua escrita teria o empecilho de não representar diretamente a realidade, mas faze-lo mediante conceitos que não são universalmente aceitos. A partir dessa constatação, vão surgir diversas tentativas de se criar uma linguagem artificial, universal e que possa abarcar de forma simples e facilmente memorizável toda a realidade. Cogitou-se o exemplo dos hieróglifos, dos ideogramas chineses ou mesmo do hebraico (linguagem divina, segundo os cabalistas e os rosa-cruzes da época), depois a álgebra e a linguagem lógica. Dessa forma, se criou entre “sábios” de diversos locais a idéia de uma comunidade internacional em torno do conhecimento, falando uma língua em comum e intercambiando experiências. Esse projeto também se ligava desde meados do século XVII à construção de uma Encyclopaedia dos saberes, devidamente ordenados e classificados, e ao projeto de se construir um conhecimento universal, impossível de ser memorizável por um só indivíduo, e, portanto, a uma mnemônica ou uma arte da memória.

É nesse espírito que a História Natural vai se dedicar a estabelecer uma nomeclatura universal do mundo mineral, vegetal e animal. Entre os precursores da taxionomia podem ser lembrados John Ray (1627 - 1705), na Inglaterra, e Tournefort (1626 – 1705), na França. O último foi um influente botanista do Jardin do Roi, realizando um extenso catálogo de plantas em território Francês. A escola Francesa, em torno do Jardin do Roi (fundado em 1626), teve célebres representantes, como Michel Adanson (1727 – 1806) e A.L de Jussieu (1748 – 1836). Durante a administração colbertiana, o Jardin agregou uma série de pesquisas e publicações, o que demonstra o interesse do estado absolutista de Luís XIV no estímulo ao conhecimento do mundo natural, como estratégia econômica, essencialmente. Esse período, nesse sentido, vai abundar de experiências de aclimatação de vegetais, especificamente especiarias e plantas úteis aos interesses mercantilistas, e, posteriormente, fisiocráticos. Plantas como o tabaco, a cana-de-açúcar e o café serão alvo de uma série de tentativas de melhoramentos genéticos e aclimatações, e naturalistas se dirigirão a todas as localidades do mundo em missão de reconhecer vegetais rentáveis ao Estado.

O auge da taxionomia é representado na figura emblemática de Carl von Linné, naturalista sueco que criou o sistema de nomeclatura utilizado até hoje pelas ciências naturais. Lineu (como também era conhecido) era um admirador florístico, que durante toda sua vida ocupou-se de herbários e jardins botânicos. Em seus estudos, realizou uma série de viagens para diversas academias européias, onde provavelmente entrou em contato com as idéias de classificação de Tournefort e dos demais naturalistas. Ao regressar, ocupou-se de encontrar uma forma de reconhecer, a partir de caracteres visíveis, os gêneros das plantas. Em 1735 escreveu o Systema Naturae e em 1736 publicou o Fundamenta Botânica, nos quais dividiu as espécies segundo certas características – os órgãos reprodutores, no caso das plantas – e nomeou-as segundo os critérios de gênero e família, criando uma nomeclatura binomial em latim. Pela praticidade, o sistema tornou-se mundialmente conhecido e, a partir daí tornou-se imprescindível à formação de botânicos. Seus estudantes viajaram para diversas localidades em expedições de reconhecimento pela Ásia, América e África, participando inclusive da circunavegação do globo pelo capitão Cook. Produziu livros e manuais de baixo custo, como o Philosophia Botânica, ensinando como se criar herbários domésticos, catálogos de classificação, instrumental de campo, e como aplicar a nomeclatura para espécimes desconhecidos. Por outro lado, Lneu acreditava ter criado um sistema de classificação que representasse perfeitamente a criação de Deus. Nesse sentido, era partidário das idéias de uma natureza perfeita e imutável, completamente contrária ao conceito de evolução.

Outro marco do pensamento sobre a natureza da época foi o naturalista Georges Le Clerc, o conde de Buffon (1707 -1788), ligado também ao Jardin do Roi, que não acreditava em um sistema possível de classificação do mundo natural. Advogava a idéia de um reconhecimento metódico e gradual da natureza, muito próximo do método de conhecimento cartesiano. Defendeu uma série de idéias acerca da influência dos climas e da geografia na natureza, inclusive colocando que a natureza das Américas seria “imatura” e “inferior” ao velho mundo. Escreveu, entre 1749 e 1788, sua História Natural, geral e particular, com descrições de diversas espécies da fauna e da flora mundiais, em 36 volumes, ricamente ilustrados. Foi um dos primeiros a creditar a idéia de natureza em movimento, defendendo as primeiras idéias de evolução e a se contrapor a dogmas da igreja, que defendia que a terra teria 6.000 anos de existência. Isso demonstra não uma genialidade única, mas como certas idéias em curso no desenvolvimento das ciências da terra, em toda Europa, estavam circulando por pessoas das mais diversas especialidades.

Apesar de parecer questões extremamente específicas e técnicas da História das Ciências, todos os fatos acima citados causaram uma imensa repercussão na Europa e até nas Américas, especialmente em função de serem cada vez mais valorizadas na formação de pensadores e administradores das monarquias absolutistas. Se é verdade que a ciência natural se distanciou de uma visão de uma cumplicidade entre o homem e a natureza, como mostrou Keith Thomas, por outro lado a descoberta do funcionamento intrínseco do mundo natural causou uma ampla repercussão nas sensibilidades das altas classes européias em relação às florestas e aos animais. Assiste-se a um imensa preocupação na construção de parques, jardins, zoológicos, locais de preservação, e uma revalorização da imagem do mundo selvagem ou semi-domesticado na mente européia. Por outro lado, a atenção dada pelos naturalistas mais empíricos na fisiologia dos vegetais e na aplicação da física às plantas, unido ao esforço dos administradores agrícolas da fisiocracia, fez com que a antiga “Teoria do Dessecamento” voltasse à pauta do dia. Remontando à Antigüidade, esse pensamento cria que, devastadas as florestas e esgotados os solos, pela agricultura imprevidente, toda a mecânica que mantinha a “ordem natural” seria desfeita, o que culminaria na transformação do mundo em um grande deserto. Essa idéia está próxima também do “Sistema” e da “Economia” da Natureza defendidos por Lineu, no tocante à noção da utilidade de cada espécie dentro do plano da criação, e também das idéias de Buffon que revogavam um papel essencial ao meio na explicação da humanidade. Está aparentada também com a chamada “Teoria dos climas”, defendida por Montesquieu no Espírito das Leis (1748), que explicava o comportamento humano e a desigualdade entre as sociedades a partir do clima e do meio ambiente em geral.

Essas idéias repercutiram na formação de uma crítica do sistema de exploração colonial como vinha sendo feito. Esta foi propagada principalmente pelo reformador iluminista Domenico Vandelli (1735 – 1816), correspondente de Lineu e contratado do Marquês de Pombal para realizar a remodelação da Universidade de Coimbra. A partir de sua influência, amplamente embasada nos modelos da História Natural discutidos anteriormente, se difundiu entre uma série de intelectuais das colônias européias uma crítica ferrenha do modelo colonial, que se utilizava basicamente de uma explicação “ambiental” para realizar sua crítica. Esse pensamento teve entre seus defensores mais famosos o estadista José Bonifácio, mas entre outros podem ser citados o médico Manuel de Arruda Câmara e o abolicionista Joaquim Nabuco, nos quais ecoaram essas idéias difundidas em Coimbra.

Dessa forma, podemos concluir que a História da Ciência mostra sua real importância quando relacionada com outros níveis da explicação histórica, mostrando seus contatos com a sociedade e a política, além da ampla gama das “mentalidades”. Outro exemplo desse diálogo imprescindível é a relação que a arte vai estabelecer com a paisagem e com a representação da natureza. Participando dessa nova “sensibilidade”, os pintores holandeses já no século XVII participaram ativamente da criação de uma identidade para as terras atlânticas que viriam a ser chamadas de “Brasil”, e demonstram como uma série de idéias sobre a natureza transitavam nas mentes européias da época.


5. As Artes e as representações da natureza: Os Viajantes e suas Representações artísticas do Brasil no século XVII


Para a construção de uma verdadeira identidade visual brasileira os viajantes que aqui aportaram nos séculos XVI e XVII foram fundamentais. O registro artístico in loco supera o valor, no que tange a formação da identidade visual, das produções pintadas na Europa tendo como tema a América. Esses estrangeiros foram extremamente necessários para essa construção devido à falta de artistas locais e, além disso, eram de fato talentosos, pois quase sempre estavam a serviço de alguma companhia ou de alguma coroa européia que tentava levar para a sua metrópole visões dessas novas terras em processo de conquista.

Com uma visão de fora parar dentro, a Europa imprime a sua visão de mundo “em expansão” nas suas produções artísticas decorrentes das conquistas dos novos mundos. A imagem que chega à metrópole sobre as suas conquistas é sempre fragmentada e dividida entre vários artistas o que faz com que a identidade visual, como imagem, do novo mundo seja a formação de várias produções de diferentes pessoas a cerca da mesma região. É importante lembrar mais uma vez que a arte é um campo livre e a criação em cima do real é amplamente vista e não registra o tema a ser retratado em si, mas sim uma visão pessoal deste.

É interessante notar que essa questão da Europa conhecer novos lugares e ampliar os seus domínios ao redor do mundo lembra a narrativa da odisséia de Ulisses, o que Ítalo Calvino define bem: “a memória só importa realmente – para os indivíduos, para a coletividade, para a civilização – se ligar a impressão do passado com o projeto do futuro, se nos possibilitar agir sem esquecer o que queríamos fazer, tornar-se sem deixar de ser, e ser sem deixar de tornar-se". Era por um processo parecido por qual passavam algumas metrópoles e especialmente Portugal, que como já escreveu Gilberto Freyre, era uma mistura muito forte de valores dos povos dominados, mas não deixavam de ser lusitanos em sua essência.

As primeiras produções artísticas verdadeiramente baseadas em uma visão in loco das Américas foram algumas gravuras que acompanhavam as cartas de Vespúcio disponibilizadas para a população letrada européia na forma de folhetim. Sempre essas primeiras representações tratavam de temas relacionados com os habitantes já residentes no novo continente. Com a descoberta de novas tribos e o conhecimento de algumas que mantinham práticas canibais logo se criou na Europa uma forte dicotomia no imaginário da população sobre esses habitantes: o bom selvagem e o terrível devorador de homens. Uma grande contribuição com a formação dessa dicotomia foi Hans Staden, que tendo sido capturado por uma tribo tupinambá antropofágica e conseguido se safar, ao chegar à Europa escreveu um livro com várias ilustrações com um tom bastante aventuresco contando com detalhes o dia-a-dia da aldeia em que fora aprisionado.

Os portugueses sempre tiveram uma preocupação bastante prática sobre a sua produção artística e técnica do novo mundo. Havia entre eles em grande número de levantamentos topográficos voltados para a realização de mapas, estudos das espécies da fauna e flora, textos descritivos, etc. Com a Invasão holandesa de Pernambuco, foi vista uma enorme mudança no número e na qualidade das produções artísticas. Os holandeses contrataram artistas já renomados na Europa e de técnicas apuradas para uma melhor representação da natureza e paisagem existente no mais novo negócio da Companhia das Índias Ocidentais. Albert Eckout e Franz Post foram os nomes mais conhecidos dentre os artistas que vieram a serviço da companhia pintar suas belezas naturais, diversidade de raças, frutas exóticas e toda sorte de coisas que um apreciador das artes europeu pudesse achar curioso e relevante em suas produções. Com a vinda desses pintores há claramente uma divisão temática nas produções artísticas realizadas no Brasil: um forte apelo aos sentidos é visto junto com uma maior fidelidade nas representações em tela. A produção se volta para o registro fidedignos onde os aspectos visuais são uma preocupação constante na obra do artista. E dessa forma o Brasil busca a sua identidade visual que demora ainda muito tempo para a sua construção na forma de uma arte verdadeiramente nacional.


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