quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A LOUCURA NA IDADE MODERNA

Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de História




História Moderna II.
Professor: Severino Vicente.


A LOUCURA NA IDADE MODERNA






Recife, 2008.









A LOUCURA NA IDADE MODERNA.


Anderson Walace
João Carlos
Márcia Roberta
Marcelo Renan








Recife, 2008
SUMÁRIO:


Introdução.................4
A loucura ao longo dos anos.....5
Corpo e alma: a transcedentalidade e as causas da loucura........................7
Loucura: Formas de tratamento........9
A caminho da internação..............11
Considerações finais................16
Bibliografia.............17






INTRODUÇÃO

Ao longo dos séculos o Homem se deparou com situações que punham em questão a sua racionalidade, seus comportamentos e, sobretudo, a sua sanidade mental.
A loucura esteve presente em todos estes momentos para pôr a prova, tanto a razão como a des-razão do Homem, com ela mesma, a loucura, por vezes sendo admitida ou sendo repudiada, tratada como patologia social.

As agonias e infortúnios sofridos pelos supostos portadores de alguma perturbação mental não estavam apenas diretamente ligadas a sua saúde mental, mas também a complexos jogos impostos pelos Estados para higienizar as suas cidades e aproveitar a mão de obra barata em seu desenvolvimento econômico.

A loucura na Era Moderna foi utilizada como ferramenta neste jogo de interesses das elites, pouco importando as condições e formas de tratamentos oferecidos aos portadores de alguma perturbação mental, que por vezes, eram internados sem as mínimas distinções com os demais doentes geralmente cidadãos em condições extremas de pobreza, arbitrariamente diagnosticados como loucos.
As mudanças das mentalidades tanto como as mudanças sociais contribuíram significativamente na forma de tratar do louco neste período.

Em nosso trabalho iremos abordar os principais conceitos sobre a loucura na Idade Clássica (entre os séculos XVII e XVIII), os tratamentos utilizados no caminho pela cura definitiva das doenças da mente, e a reação da sociedade na forma de tratar o louco como agente causador da desordem social, além de analisar alguns dos principais elementos sociais que contribuíram para a evolução do sistema manicomial do século XIX e XX.




A LOUCURA AO LONGO DOS ANOS.
Anderson Walace



Em cada tempo as sociedades instituem formas de condutas e comportamentos, às quais os indivíduos devem enquadrar-se a fim de serem aceitos e poder viver “livremente” em sociedade. Essa busca tenta definir como os indivíduos devem se colocar na sua vida profissional, na sua vida sexual, na sua forma de expressão e até no seu lazer. Sendo rejeitados e excluídos, sob o estigma de louco, todos os que divirjam desse comportamento pré-estabelecido.

Na Idade Antiga, o louco era entendido sob três perspectivas: a do enfoque mitológico, o da concepção passional e o da doutrina orgânica. Naquela sociedade os loucos eram compreendidos como vítimas do capricho dos deuses, que os lançavam no estado de desequilíbrio e insensatez (PESSOTTI, 1995). Conforme o mesmo autor, mais tarde, Hipócrates inaugurou a hipótese de que a loucura acontecia por influência de alterações orgânicas vinculadas aos humores, compreensão esta que perdurou até a medicina dos séculos XVIII e XIX.

Na Idade Média, a associação e a identificação da loucura se deram no campo da demonologia, com predomínio da concepção religiosa, dos feitiços. Várias obras foram lançadas neste período com o intuito de explicar e fundamentar estas idéias. Foucault (1999), olhando para a questão da loucura na Idade Média, pontua que ela está dividida entre os poderes do espírito que lhe dão o sentido abstrato e as causas orgânicas que lhe dão a existência concreta.

Os loucos eram admitidos e podiam vagar pela cidade; eles não se casavam, não participavam de jogos, eram alimentados e sustentados pelos seus familiares, mas quando, por vezes, tornavam-se excitados e perigosos, eram afastados do convívio social e “presos”;

Na Idade Moderna, depois do século XVII, o entendimento da loucura foi se modificando pelos construtores da história; então teve início o campo da formação médica e psicológica que, com o passar dos tempos, classificou a loucura como doença mental, uma patologia da função nervosa e, por vezes, relacionada aos espíritos animais.

A fim de estudar a loucura Foucault formula que os domínios da atividade humana estão divididos em quatro categorias: O TRABALHO, A SEXUALIDADE, A LINGUAGEM e AS ATIVIDADES LÚDICAS (jogos e festas), afirmando que as pessoas que escapam às regras definidas nesses domínios são chamadas de indivíduos marginais, comumente presentes em todas as sociedades. No caso da loucura, uma mesma pessoa passa a ser excluída e rejeitada em todos os domínios. Concluindo que a loucura é um estado de alteração, com distúrbio no pensamento ou demonstrado por palavras e atos, é um processo mental que pode traduzir comportamentos e idéias, ou seja, a loucura pode derivar de causas físicas, passionais ou “internas”.

Por ser a produtividade o núcleo da lógica da sociedade, a inaptidão ao trabalho foi considerada o principal critério da loucura, o que tornou as pessoas inaptas não mais toleradas. Logo foram criados estabelecimentos para todos aqueles que se encontravam fora da ordem social: loucos, desempregados, doentes, velhos, prostitutas, considerados grupos de vagabundos para a nova sociedade.
Sendo a sociedade européia desse período, século XVII ao XIX, uma sociedade essencialmente burguesa, práticas sexuais como masturbação, homossexualidade, ninfomania foram consideradas anomalias identificadas à loucura. Neste período, os leprosos, mendigos, desempregados, prostitutas, pessoas sem teto e os loucos eram retirados das ruas para limpar as cidades.

Com relação à linguagem Foucault faz referência a uma curiosa afinidade entre a literatura e a loucura, especialmente, porque a primeira não está obrigada às regras da linguagem formal e cotidiana, ocupando a literatura uma posição também marginal.
No teatro tradicional europeu, como exemplo das atividades lúdicas, os loucos divertiam os espectadores. Era um personagem que exprimia a verdade que os outros atores e espectadores não o fariam conscientes.

Cabe destacar também que, em meados do século XVII, a loucura tornou-se medicalizada, inaugurando o papel do médico neste contexto. Philippe Pinel (nascido em Saint André em 20 de Abril de 1745 e falecido em Paris 25 de Outubro de 1826) foi o médico francês, considerado por muitos o pai da psiquiatria, entendendo que o louco precisava de um espaço próprio, com cuidados médicos; criou o hospício, como um local adequado de internação sobre a loucura, um local de recolhimento de pessoas que, de uma forma ou de outra, simbolizavam perigo à sociedade, “libertando” destes estabelecimentos todos os vagabundos, já que, dentro da lógica industrial, eram aptos a trabalhar. Separadamente, os loucos não tendo a faculdade de trabalhar, tornaram-se pacientes cujos distúrbios tinham causas que se referiram ao caráter psicológico, tornando o estabelecimento de internação um hospital psiquiátrico, abrindo as portas para o nascimento da psiquiatria, cujo objeto de estudo configurava-se nos distúrbios mentais.

Por fim, Foucault revela que tal medicalização do louco produziu-se por razões econômicas e sociais, pois o status de louco não variou em nada entre as sociedades primitivas e avançadas.




CORPO E ALMA: A TRANSCENDENTALIDADE E AS CAUSAS DA LOUCURA.
João Carlos Berenguer.


Segundo Foucault, na Idade Clássica, os problemas da loucura giravam em torno da materialidade da alma. De forma que no final do século XVII e início do XVIII, acreditava-se que a alma do individuo, quando afetado pela loucura, esteve afastada dele durante esse período, estando assim protegida pela própria doença contra o mal.

Voltaire foi um dos primeiros a tratar o cérebro como um órgão do corpo, podendo assim padecer por diversos males. Suspeitava que a faculdade de pensar pudesse sofrer desarranjos. Contudo com isso não refutava a relação deste com a alma. Explicava que a relação do cérebro para com a alma era como a do olho para com a vista (FOUCAULT, 1999. p 211). Contudo tal problemática só foi mais bem aceita no século XIX, de forma que no século XVII e XVIII a loucura era uma doença na qual estavam envolvidos o corpo e a alma, e, portanto era necessário descobrir quais as causas de tal doença.

Willis tratou do que se chamaram causas próximas da mania. Primeiro observava-se uma alteração das funções mecânicas, a movimentação violenta dos espíritos e também a alteração química dos mesmos que assumem natureza ácida que os torna mais corrosivos e penetrante. (Idem. P 215).

A partir de então variadas análises foram desenvolvidas, entre elas destaca-se a análise de Meckel que observou mudanças físicas no cérebro dos loucos, como a secura ou rigidez do cérebro dos maníacos e o pesadume e a umidade dos melancólicos. Nesse momento é interessante observar que as causas passam a ser procuradas na própria estrutura cerebral, colocando corpo e alma numa ordem de vizinhança e sucessão.

Esse tipo de análise foi usado de forma mais completa por Morgagni e Cullen. Para ambos o cérebro era um espaço causal diferenciado que desenvolve suas estruturas anatômicas e fisiológicas, determinando formas variadas de loucura. Cullen sistematizou essas diferenças e fez das diversas partes do cérebro o aspecto principal das perturbações orgânicas da loucura. (Idem. P 220-221).

No entanto, enquanto as análises das causas próximas evoluíam, as chamadas causas distantes adquiriam uma aparência retrograda nesse mesmo período. Ettmüller enumerou algumas das causas das convulsões: a cólica nefrítica, os humores ácidos da melancolia, o nascimento durante um eclipse da lua, a vizinhança das minas de metal, a cólera das amas-de-leite, os frutos de outono, a constipação, os caroços de nêspera no reto, e de modo mais imediato, as paixões, sobretudo as do amor. Tudo que aguçasse a imaginação: o ar, o clima, a leitura de um romance, espetáculos de teatro, etc. (Idem. P 222).

Outro tema que ocupou a mentalidade do século XVI foi o lunatismo sendo aos poucos esquecido durante o século XVII, voltando a figurar na discussão no final do século XVIII, devido à influência da medicina inglesa, completamente transformada, assumindo significados que antes não possuía. Explicava-se o lunatismo por ser o sistema nervoso sensível às mudanças atmosféricas, o que o deixava vulnerável às forças da lua. No final do séc. XVIII o lunatismo estava novamente a salvo de contestações, porém havia perdido a expressão de poder cósmico.

Nessa época a medicina afirmava que a loucura era: “fenômeno da alma provocado por um acidente ou uma perturbação do corpo; fenômeno do ser humano em sua totalidade – alma e corpo ligados numa mesma sensibilidade – determinado por uma variação das influências que o meio exerce sobre ele”. (FOUCAULT, 1999. p 225).

Apesar de estar figurada entre as causas distantes, a paixão é esboçada por Sauvages como a causa mais constante, mais obstinada e mais merecida da loucura. Sauvages mostra que a alma e o corpo estão num intenso relacionamento metafórico, constituindo assim a paixão condição e possibilidade da loucura.

Foucault conclui que na loucura clássica há dois tipos de delírio: o que se manifesta claramente através de atos e palavras e o que não é perceptível aos outros, pois surge do trabalho interno do espírito. Assim o discurso abarca todo o domínio da loucura. O desatino é a condição necessária para que uma doença seja chamada de loucura.




LOUCURA: FORMAS E TRATAMENTO
Márcia Roberta.


Na Idade Clássica, Século XVII e XVIII, as formas de tratamento dispensadas aos alienados eram das mais curiosas. As enfermidades eram tratadas com medicamentos extraídos da própria natureza, pois se acreditava que os antídotos para as enfermidades estavam inseridos no meio natural. Era só procurar que o remédio seria encontrado. Muitas vezes se poderia pensar que não existisse, mas estava lá, mesmo que fosse aos lugares mais longes, bastava apenas buscar e encontrar. Dentre tantos medicamentos quatro são despertam o interesse e a curiosidade, são eles: o ópio, as pedras preciosas, o corpo humano e o sangue humano.

O ópio foi muito utilizado nos tratamentos e, principalmente, nas “doenças da cabeça”. Essa substância era empregada nos males dos nervos cortando a sua sensibilidade, ou seja, seu principio ativo, digamos assim, era a insensibilidade. Era como se o ópio desativasse o botão responsável e que dava a percepção, aos nervos, do sentir. Ele era útil para todo tipo de convulsões, sendo empregado com muito sucesso, contra a fraqueza, o cansaço, bocejos, em casos de “cólicas ventosas” (gases presos) e de obstrução dos pulmões.

Na verdade, o ópio era visto como um obstáculo à proliferação dos males da sensibilidade, o único problema verificado foi que seu efeito passava rapidamente, permitindo o nervo voltar a “sentir”. A solução encontrada foi aumentar a dosagem, de tempos em tempos, para se chegar ao controle da sensibilidade.

O ópio conseguia esse efeito porque os elementos que o compunha se ligavam, quando dentro do organismo, aos elementos que determinavam a saúde em seu estado normal. Assim, o ópio recebeu o valor de medicamento universal, pois a eliminação dos sintomas era obtida graças a sua virtude natural, ou seja, o ópio atuaria segundo uma mecânica natural recebendo um dom secreto da natureza.

Quanto às pedras preciosas, estas eram vistas como fonte de proteção para quem as usasse nos dedos, em forma de anel. Assim ela estaria protegendo do mal caduco, além de possuir uma propriedade de fortificar a memória, fazer com que as pessoas resistissem à concupiscência, ou seja, resistir á cobiça e ao apetite sexual excessivo isso tudo só seria obtido se usada no dedo.

O corpo humano, nesse período, era denominado como um dos remédios privilegiados contra a insanidade; entedia-se que a sabedoria natural escondera os segredos que poderiam combater o que a loucura humana inventou de desordem e fantasmas. Entre as partes recomendadas a serem usadas como remédios encontram-se os cabelos dos homens, indicados para tratar os vapores emanados pelo corpo dos doentes, mas a eliminação dos sintomas só seria alcançada se os cabelos fossem queimados e inalados no mesmo momento. Do corpo humano ainda poderia se empregar a urina, recém-expelida, para os vapores histéricos.

As mulheres também contribuíram para o fornecimento de medicamentos contra os sintomas que desencadeavam a loucura. Delas, o leite materno era extraído e usado para doenças nervosas, e sua urina era aproveitada para o tratamento dos hipocondríacos.

Mas foram as convulsões, como a epilepsia, que atraíram o poder curativo dos remédios humanos, sendo o crânio, a parte mais valiosa de todo corpo humano, empregado na cura desse distúrbio. Como a convulsão era algo bastante violento, ela só poderia ser combatida com outra brutalidade e foi essa a razão para se usar o crânio dos enforcados e mortos por mãos humanas. A única restrição era que os cadáveres não houvessem sido sepultados em terra santa. Era freqüente, também, o uso de pó de crânio que, para muitos não tinha nenhuma serventia, pois não passava de uma “doença morta” e sem virtude. Em seu lugar era melhor utilizar o cérebro ou o crânio de um homem jovem e que tivesse sido morto recentemente, mas a morte deveria ter sido violenta isso era o primordial.

Mas não só o crânio foi usado para o tratamento das convulsões, o sangue humano era outro componente muito útil. A única advertência era para que esse remédio não fosse muito empregado porque o seu uso em excesso poderia levar a doença da mania.
Foi em fins da Idade Clássica que surgiu à busca pela cura definitiva. Antes a doença era combatida apenas em seus sintomas, sendo que neste novo momento a cura passa a ser vista como uma maneira de eliminar a doença no seu todo. E foi nesse contexto da procura pela cura que surgiram as ideais terapêuticas ou práticas terapêuticas.

Entre estas práticas utilizadas está a Imersão, que tinha na água seu principal elemento de cura, pois ela era vista como um líquido que representava o que de mais puro existia na natureza e era símbolo da reconstituição do equilíbrio de cada um. Essa cura era alcançada através dos banhos forçados, nos quais os doentes eram obrigados a mergulhar no mar ou na água doce para sanar as patologias como frenesi, mania, melancolia e imbecilidade. Para o caso do frenesi e da mania deveriam ser adicionados banhos de duchas.

O tratamento consistia em mergulhar o doente, repentinamente, deixando-o na água por bastante tempo, sem preocupação ou respeito pela vida do enfermo. Essa técnica foi aperfeiçoada no final do Século XVIII e inicio do Século XIX com o advento dos banhos surpresas; nesses o paciente era levado a uma sala quadrada que possuía uma banheira onde ele era empurrado, essa surpresa e violência eram necessárias, pois se acreditava que esta era a promessa de um novo batismo.

Outra prática terapêutica muito empregada foi a realização teatral. Era o chamado teatro da loucura, onde a intervenção terapêutica aplicada estava no espaço da imaginação. Era necessário delirar na mesma linha do delírio a que o paciente estava inserido e se chegar à cura, ou seja, a imaginação do doente só poderia ser curada através de uma imaginação sadia.




A CAMINHO DA INTERNAÇÃO.
Marcelo Renan.



A loucura, assim como foi apresentada, transforma-se na nova chaga social da Europa em meados do século XVI até início do XIX merecendo uma atenção diferenciada por parte da medicina e dos governantes da Idade Moderna.

Os loucos, ou pelo menos aqueles que assim eram apresentados, igualmente receberam tratamentos mais “adequados” para a sua patologia, que, por sua vez, era completamente contraditória no que diz respeito ao diagnóstico feito ao paciente. A partir de então eles começam a ser encaminhado para locais específicos onde pudessem ser tratados, locais estes que surgem como o embrião dos conhecidos manicômios.


Durante grande parte da Era Clássica a loucura começou a ser rechaçada pela sociedade que via na figura do louco um estorvo, uma nova praga que viria a contaminar e a estragar as comunidades afetadas, no caso as que possuíssem criaturas acusadas de possuir tal patologia.

Diferentemente da cultura européia do final da Idade Média que permitia ao louco conviver pacificamente e participar dos ritos cotidianos da comunidade, agora, no mundo moderno, o louco deveria ser afastado do convívio dos sãos. Esse afastamento não era apenas das práticas comuns (como por exemplo, as religiosas como ir à igreja, muito embora lhe fosse permitido ser religioso), mas sim da comunidade como um todo. O louco, neste período, sofre segundo arbitrários diagnósticos que caracterizavam a doença de acordo com os mais controversos sintomas. O que merece mais destaque e que serve de argumento para tantas internações, que serão melhor explicas mais adiante, é a mendicância.

Parece um tanto estranho reconhecer em um problema de ordem social uma doença mental, ou da alma como se acreditava, e que isso ocorresse de maneira tão generalizada. Acontece que com o desenvolvimento das cidades, das manufaturas que acabariam conduzindo a futura industrialização, e com uma mudança profunda nas mentalidades dos europeus, em especial os que aderiam às doutrinas protestantes, e que viam o trabalho como fator que dignificava o homem, a mendicância passa a ser vista como sintoma da insubordinação do homem as ordens religiosa e social. Ela passa a ser tratada como fator de desordem, além de que, o louco em sua des-razão, representava agora uma ameaça aos demais. Por estes e outros motivos os inaptos ao trabalho acabavam por ser acusados como loucos, da mesma forma que os mendicantes também passaram a receber este tratamento.

Diante deste contexto o louco passa a ser completamente indesejado, sendo a loucura comparada à lepra, que assolou grande parte da Idade Média, e assim como tal deve ser rechaçada para lugares distantes das cidades. Em decorrência destes fatores se inicia um verdadeiro movimento de banimento destes loucos para longe de seu local de origem. As cidades os entregavam nas mãos de mercadores, viajantes e principalmente de marinheiros, para que fossem conduzidos a um destino incerto: podendo eles morrerem nas viagens, se perderem ou aportarem em cidades desconhecidas que agora se encarregariam de “cuidar” deste louco, mais pelo fato do mesmo ser estrangeiro do que por sua doença ou estado de espírito.

Com este movimento de banimento surge o que alguns chamariam de Naus dos Loucos ou Nau dos Insanos. onsistia em um tipo de embarcação que possuía como principal finalidade embarcar estes loucos nestas viagens, carregadas não apenas do sentido estratégico de afastar o problema das cidades, mas também de todo um simbolismo e finalidade terapêutica.

Acreditava-se que água possuía propriedades terapêuticas e relaxantes, e que se não pudesse curar estes loucos pelo menos os deixariam mais calmos e que em uma viagem marítima eles teriam oportunidade de refletir sobre seus problemas e acalentar seus pensamentos. Por outro lado o mar, que por si só já é cheio de simbolismos, representava as constantes incertezas dos homens em relação à navegação. Se a viagem será bem sucedida, se sobreviverão os navegantes, em que porto há de chegar esta embarcação etc.. E este jogo de incertezas era transmitido aos que acreditavam na Nau, representando também para o louco todas estas incertezas que recaíam sobre si, em relação à cura e à sua vida.

Os simbolismos também passam a existir em relação às artes, em especial na literatura e na iconografia. Começam agora a ser escritas obras literárias que tratam da loucura. A pintura também retrata a figura do louco, assim como as gravuras adotam a loucura como temática central. A morte, que no medievo era tão temida, e que era utilizada para expressar valores religiosos, perde esse seu lugar em benefício da loucura. A loucura agora expressa às vicissitudes do homem e o conduz às suas fraquezas, sendo condenável aos olhos de Deus.

No entanto, mesmo com a existência dessas Naus, as cidades não deixaram de necessitar de locais específicos para receber e condicionar estes loucos, próprios ou estrangeiros, e é neste contexto que reaparecem os medievais leprosários. Tais locais até o início da Era Moderna abrigavam os leprosos, afastando-os da população caíram gradativamente em desuso uma vez que houve uma significante redução da incidência de lepra nos países europeus, passando a abrigar números cada vez menores de doentes, chegando a passar longos anos com números oscilantes entre dois a nenhum paciente.

Buscando o aproveitamento destes locais eles são transformados em centros hospitalares destinados a tratar as doenças venéreas, que também assolam o período, recebendo também estes loucos que passam a ser mais numerosos do que os infectados por estas doenças. Visando a diferenciação entre esses doentes e os loucos, estes começam a ser encaminhados unicamente para os hospitais, ficando os leprosários encarregados de receber e condicionar estes loucos, mendigos, inválidos etc.
Esta nova utilidade conferida aos leprosários acaba conduzindo ao enclausuramento do louco na Idade Clássica. Na França em 1656 um edito coloca sob uma única administração os hospitais e leprosários de grande parte de seu território criando o Hospital Geral, que receberia, em cada uma dessas unidades, doentes com variadas doenças além dos loucos, que por vezes eram encaminhados para unidades específicas. Vale lembrar que desde o século XVI os mendigos eram aproveitados para trabalhar nos esgotos de Paris.

Desde essa época a internação passa a ser adotada como medida principal em relação ao tratamento da loucura. Neste caso ela era aplicada não apenas com finalidades médicas, mas essencialmente corretiva destes miseráveis que eram encaminhados a estes locais. Vale lembrar que os miseráveis (pobres desempregados, mendigos, inválidos, etc.), deveriam ser encaminhados para estes locais para que fossem aplicadas a eles medidas corretivas e de “re-socialização”. No entanto com estas medidas se percebe o caráter arbitrário das internações.

Aos pobres restava a oportunidade de aceitar a idéia da internação pacificamente e de que encontrariam melhores condições nas casas de internações do que nas ruas. Aos que se negassem ao recolhimento cabia a aplicação de severas punições, entre elas ser espancado publicamente como forma de coagir pela força aos que insistiam em viver nas ruas e a conseqüente e forçada internação. Estes pobres eram caracterizados segundo o seu comportamento em bons pobres e maus pobres, respectivamente os que aceitavam a internação e os que faziam objeções a reclusão.
As casas de internação, conhecidas também como Casas de Correção (a exemplo da Inglaterra em 1575), possuíam antes um caráter repressivo e judiciário do que médico, e neste contexto, atravessando uma linha evolutiva elas se difundem pela Europa mobilizada e sensibilizada por esta nova ordem sócio-econômica. Era a função de a polícia aplicar estas medidas repressivas, segundo complexos acordos entre as partes envolvidas e responsáveis pela ordem social.

O miserável passa a ser considerado a ralé da república, e mesmo a igreja católica – quando não se refere à Inglaterra - aceita o tratamento coletivo despojando os princípios da caridade individual. Passa a aceitar ainda que contraditoriamente elementos protestantes em relação ao enfrentamento desta chaga social, encarando o problema com sensibilidade moral, e não religiosa. As casas de internações podiam ser mantidas tanto pelo governo, através de impostos e tributos, pela igreja e por sociedades leigas que buscavam fazer a caridade.

Seguindo a esta onda das casas de internação a Europa começa um movimento que busca alternativas para o desemprego e para aproveitar estes reclusos das casas de internação, para isto eles começam a ser aproveitados em serviços que beneficiassem de alguma forma o Estado, sendo aproveitados em serviços públicos, em mutirões etc. Algumas destas casas possuíam verdadeiras manufaturas, onde se beneficiavam principalmente lã, cereais, onde se tecia, cultivavam hortaliças etc. As maiores constatações destas casas de trabalho encontram-se na Alemanha e Inglaterra, onde são conhecidas como Workhouses já no século XVII.

Ao mesmo tempo em que era oferecida uma oportunidade do interno de aprender um oficio, era fornecida mão de obra barata para atividades lucrativas. Por vezes, a ética deixava de existir nestas casas, permitindo que terceiros aproveitassem a mão de obra das workhouses, fornecendo matéria prima necessária para a gestão da casa e em troca receber algum produto já beneficiado. Isso ocorria freqüentemente com a indústria lanífera que, em troca de uma parte de lã ou outros produtos, o fornecedor recebia a lã já fiada ou já tecida.

Passando pelos leprosários, casa de internação e correção até chegar às workhouses, a sociedade européia dos séculos XVI até o XVIII enfrentou o medo presente causado pela idéia da existência destes locais assombrosos, que ocupavam não apenas o espaço geográfico, mas também o imaginário da população. A postura repressiva e arbitrária destas instituições e suas finalidades controversas, além das variadas formas de tratamento do louco (trabalhados em outra parte do presente trabalho), colocavam o homem diante de um ajuste de comportamento forçado principalmente pela coerção.

O asilo ou Madhouses, que se tornará nos hospícios do século XIX, já com Philipe Pinel, é visto desta forma até passar por sérias reformas principalmente das mentalidades. Reformas que permitem um olhar mais detalhado por parte da medicina e um tratamento mais adequado ao portador de perturbações mentais (loucos, lunáticos etc.), e que finalmente encontram um lugar onde lhe é destinado conforto o tratamento segundo condições mais humanas. No entanto esta nova estrutura dos manicômios que é levada até o século XX é alheia à encontrada na era clássica, e consequentemente a este trabalho, merecendo um outro estudo.




CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Esta breve pesquisa nos mostra quão vasta é a história e seus problemas. Estudar a história da loucura é um exercício de cidadania, de como compreender a situação atual dos deficientes mentais e saber como a sociedade criou e proporcionou as mais diversas maneiras de lidar e cuidar desses indivíduos. Sob várias perspectivas podemos lançar um olhar investigativo sobre esse tema. Analisando socialmente vemos que inseridos em uma sociedade capitalista foram adotadas medidas que garantissem a preservação dos parâmetros sociais vigentes e o crescimento econômico, uma vez que a principio os “loucos”, visto que nem todos possuíam realmente alguma patologia do tipo, foram usados como mão-de-obra barata nas workhouses e foram também retirados das ruas na tentativa de higienizar as cidades que eram palco da burguesia crescente.

Em suma, podemos ver que ainda há muito a ser feito pelos historiadores, uma vez que sua função não é apenas “contar histórias”, mas antes disso mostrar a sociedade quais as razões que as levaram à determinados comportamentos e, acima disso, fazê-las compreender que mudanças são possíveis, que humanizar-se é o meio primordial de construir uma sociedade melhor. Esta é a importância da continuidade deste breve trabalho.










BIBLIOGRAFIA:

FOUCALT, Michel. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo, 6ª ed. Perspectiva, 1999.
PESSOTI, Isaias. Os nomes da loucura. São Paulo, 1ª ed. Editora 34, 1999.
PESSOTI, Isaias. O século dos manicômios. São Paulo, 1ª ed. Editora 34, 1996

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