Este texto foi apresentado em sala de aula pelos alunos que o escreveram, após terem realizado pesquisa bibliográfica, como parte de sua formação.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
HISTÓRIA MODERNA II - V PERÍODO
PROFESSOR SEVERINO VICENTE DA SILVA
CIÊNCIA E MODERNIDADE NO SÉCULO XVIII:
O ALVORECER DE UMA NOVA METODOLOGIA
Escrito por:
Allan Cavalcante Luna
Aurélio de Moura Britto
Bruno R. Véras de M. e Silva
Diego Rodrigo Barbosa
Ednaldo F. do Carmo Júnior
Recife, abril de 2009
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 4
Impasses epistemológicos 4
A CIÊNCIA DO RENASCIMENTO 6
A CIÊNCIA NO SÉCULO XVIII 10
A DIFUSÃO DA CIÊNCIA NA EUROPA E AS ACADEMIAS CIENTÍFICAS 13
UMA INTERPRETAÇÃO EXTERNALISTA DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA 17
CONSIDERAÇÕES FINAIS 20
REFERÊNCIAS 21
INTRODUÇÃO
A ciência durante a Idade Moderna converteu-se em força propulsora e basilar das relações sociais. Com a Revolução Científica houve uma intensa discussão sobre a verdade e as metodologias mais eficientes para sua apreensão. Ao falarmos da Ciência Moderna, terminamos por negligenciar as particularidades dessas formações discursivas em categorias demasiadamente genéricas. Claro que a história da ciência, bem como qualquer história, é elaborada a partir de enfoques nas continuidades ou nas rupturas. Tendo isto em vista, o trabalho se propõe a enfatizar as dimensões que particularizam o conhecimento cientifico do século XVIII. Óbvio que dar uma dimensão de fosso epistemológico entre as tradições científicas modernas seria drástico, e historicamente infundado.
A ciência do século XVIII desenvolve, em virtudes das mudanças culturais, alguns aspectos de cientificidade que se distinguem da ciência no Renascimento. A este aspecto, merece relevo a colocação de John Bernal (1976):
No puede sorprender, vistos los cambios sociais e culturais, que las tendências a lo largo de mayor parte del siglo XVIII fueram distintas de las do siglo XVII. Em todo caso, la ciência habia conquistado su lugar. Se habia conquistado su lugar. Se habia convertido em uma institucion, y adquirido su propia tradicion interna (BERNAL, 1976, p. 395).
Quais eram estas particularidades? Que forças, internas e externas a ciência, as motivaram? Estas são algumas das indagações que nortearão o presente estudo.
IMPASSES EPISTEMOLÓGICOS
Faz-se necessário pontuar os principais impasses epistemológicos que regem a produção historiográfica da ciência. Qual a influência do contexto histórico na produção científica? Grosso modo, poderíamos dizer que a esta indagação às abordagens tradicionais da historiografia da ciência tentam responder. Para uns — os internalistas — a prática científica não carrega em seus postulados as impressões da cultura. Ou melhor, fatores culturais não influenciam a ciência nas mais variadas demandas sociais. A ciência, nesta acepção, se auto-determinaria e possuiria uma fundamentação lógica e inerente a própria ciência. Para outros — os externalistas — a prática cientifica é historicamente determinada, e as sentenças científicas são respostas às demandas sociais. Atualmente, a historiografia da ciência tem procurado uma posição menos extremista que as anteriormente referidas. Procurando no hibridismo, uma resposta mais completa para a compreensão da produção do conhecimento científico e seu contexto social.
Metodologicamente, o trabalho procurará conferir historicidade à ciência, no caso, a do século XVIII. Contudo, sem aderir ao utilitarismo do tipo vulgar, vendo a ciência, e a produção cientifica, como resposta imediata e unilateral à ascensão da burguesia na Europa. “Nada de utilitarismo vulgar! A ciência não era verdadeira por que útil, mas a verdadeira ciência era, ao mesmo tempo, útil” (JAPIASSU, 1997, p. 246).
Em suma, optaremos por uma abordagem dialética da ciência, privilegiando a interação entre as realidades internas e externas que, juntas e em graus diferentes ao longo da história, condicionaram a construção e institucionalização do conhecimento científico.
A CIÊNCIA DO RENASCIMENTO:
RACIONALIDADE E SECULARIZAÇÃO NOS SÉCULOS XV E XVI
Antes de iniciar a análise essencialmente objetivada neste artigo — as transformações epistêmico-metodológicas da ciência do século XVIII —, faz-se mister, uma reflexão sobre as características peculiares à “Revolução Científica” (MOCELLIN, 2000), fruto do renascimento e humanismo no século XV. Em caráter comparativo e processual este exame vem a ser essencial para se perceber as continuidades neste processo intelectual e ao mesmo tempo técnico que se engendrou na Europa moderna em tempos de humanismo (ROSSI, 1992).
Em toda a história da humanidade ocorreram algumas “Revoluções” de cunho técnico, epistemológico e científico. Aponta-se a presença destas revoluções em determinadas sociedades nos mais diversos tempos históricos, tal qual defende Price (1976), assinalando tal característica para a Babilônia, Grécia, Al Andaluz, Europa moderna, entre outros.
Mas a revolução que mudou a forma de encarar a natureza e que gerou a moderna concepção científica, foi a que começou no século XV e se prolongou até o fim do século XVI. De fato suas conseqüências foram tão grandes que, com toda a razão, muitas vezes a chamam “A Revolução Científica” (RONAN, 1997, p. 07).
Assim define Colin Ronan (1997), ilustrando explicitamente a importância desta revolução não somente científica e técnica, mas também na forma de conceber, enxergar e representar o mundo (CHARTIER, 1990). Teria ela uma relevância intensa no que viria a se tornar a Europa moderna e mesmo o mundo colonial por ela conquistado através das técnicas desenvolvidas a partir desta revolução. Contudo, não só ao campo empírico, esta revolução proporcionou frutos. “A revolução científica de 1500-1600 não apenas afetou todos os campos da ciência como mudou as técnicas de investigação científicas, os objetos que o cientista estabelecia para si mesmo” (RONAN, 1997, p. 08) e o papel que a ciência poderia desempenhar na filosofia e até na própria sociedade. Uma mudança tão profunda não poderia acontecer simplesmente por si mesma, mas foi uma modificação geral no modo pelo qual o homem via a sim mesmo e ao mundo em que vivia.
A Europa Ocidental e, principalmente mediterrânica, desde segunda metade do século XV passava por transformações intensas no que consta aos seus contatos extra-europeus, mudanças em sua organização política e territorial bem como na maneira de pensar de suas populações. Esta nova conjuntura sócio-política e cultural é que possibilitaria o nascer da ciência crítica moderna quantitativa e racionalista. Durante o início da idade moderna européia podem-se apontar alguns elementos de destaque que inovaram consideravelmente a vida intelectual da elite artística e filosófica .
O “Renascimento” foi um dos principais deles. Movimento iniciado nos principados italianos e patrocinado pela burguesia mercantil e urbana local, teve grande importância na inovação artística e mesmo intelectual em boa parte da Europa ocidental e central. A superação de uma perspectiva uniforme e teológica medieval — tanto de cunho artístico quanto mental — pôde ser percebida nas mais diversas manifestações humanas neste contexto geográfico, como o caso das próprias representações religiosas e políticas.
“Começou, de modo crescente, a secularizar as atitudes dos homens, encorajando-os a reconhecer a beleza do mundo natural e não apenas em um mundo limitado pelas imagens sacras” (RONAN, 1997, p. 08).
O mundo antes conceituado e vivido a partir de uma metafísica cristã, agora se abria em possibilidades físicas observáveis concretamente a partir da sensibilidade humana. O centro do mundo deixara de ser o theos e tornava a virar-se a capacidade do homem em si. A chave desta perspectiva denominou-se Humanismo.
O Humanismo era a corrente filosófica do renascimento. Dedicava-se ao estudo dos conhecimentos antigos. Escritos gregos, romanos e hebraicos foram traduzidos e valorizados. O retorno à filosofia grega, através das traduções dos árabes, possibilitou um novo patamar de compreensão apagado no mundo medieval. O “homem” era o centro e as possibilidades estavam no observar concreto e sensível (HENRY, 1998).
“O humanismo e a independência de pensamento, que a renascença encorajou, teriam como efeito a fragmentação da cristandade” (RONAN, 1997, p. 11).
Esta foi outra das características que compunham a conjuntura do nascimento da Revolução Científica dos séculos XV e XVI. O pensamento crítico alentado pelas propostas humanistas proporcionou mesmo o questionamento de validade social sobre a maior e mais poderosa instituição do período medieval: a Igreja Católica Romana. Várias correntes religiosas cristãs surgiram na Europa, tendo vários Estados nascentes abraçados tais propostas. Nesses locais a ciência teve destacado papel, principalmente nas áreas de matemática e astronomia.
Outro importante evento gerou profundas repercussões tanto econômicas quanto mentais em toda a Europa: a descoberta do “Novo Mundo”. A Europa deixou de recolher-se em si mesma, como fizera durante boa parte da Idade Média para explorar o mundo dos “outros” (HARTOG, 1999). E mais,
“o fato de que os povos antigos, apesar do brilho de sua civilização, não haviam chegado a conhecer tudo o que se deveria conhecer sobre o mundo; isso significava que o homem tinha apenas observar para que fosse possível fazer descobertas” (RONAN, 1997, p. 13-14).
Nesse contexto surgem homens que revolucionaram tanto o método de observação quanto de reflexão dos fenômenos científicos.
O desenvolvimento da física durante a renascença é, de certa forma, frustrante. Certamente houve um progresso no estudo do magnetismo terrestre, realizaram-se alguns trabalhos em óptica e teve lugar um pequeno incremento na compreensão de almas questões referentes à mecânica, mas mesmo assim o progresso foi pequeno (RONAN, 1997, p. 36).
Nesses cientistas renascentistas, podem-se apontar alguns axiomas essenciais em seus métodos de pesquisas. Pressupostos epistemológicos que guiaram a observação e a metodologia analítica destes filósofos que compuseram o panteão intelectual dos séculos XV e XVI. O axioma trata-se do Racionalismo. Para aqueles cientistas modernos, as coisas exteriores (a Natureza, a vida social e política) podem ser conhecidas desde que sejam consideradas representações, ou seja, idéias ou conceitos formulados pelo sujeito do conhecimento.
Isso significa, por um lado, que tudo o que pode ser conhecido deve poder ser transformado num conceito ou numa idéia clara e distinta, demonstrável e necessária, formulada pelo intelecto; e, por outro lado, que a Natureza e a sociedade ou política podem ser inteiramente conhecidas pelo sujeito, porque elas são inteligíveis em si mesmas, isto é, são racionais em si mesmas e propensas a serem representadas pelas idéias do sujeito do conhecimento.
Axioma essencial neste contexto científico, o Mecanicismo teve destacada importância. O Mecanicismo é uma teoria filosófica segundo a qual todos os fenômenos que se manifestam nos seres vivos são mecanicamente determinados e, em última análise, essencialmente de natureza físico-química. Esta postura opõe-se às explicações vitalistas que postulam a existência de uma força ou impulso vital sem a qual a vida não poderia ser explicada (BURKE, 2003).
Nesta conjuntura revolucionária no campo intelectual surge René Descartes (1595-1650). Este francês dedicou sua vida à geometria analítica, contudo, sua maior contribuição foi metodológica. Em sua obra O Discurso do Método, Descartes propõe um método essencial para a construção do conhecimento científico. Baseava-se na racionalidade e na dedução, agrupando todas as observações para então inferir resultados.
Esta ciência fruto do Renascimento sofrerá imensas tranformações no decorrer do século XVIII, onde serão propostos novos métodos, novos objetos terão destaque na análise científica e a técnica e a ciência sofreram um processo de almagamamento nunca antes visto.
A CIÊNCIA NO SÉCULO XVIII
O fomento que a ciência conheceu no Renascimento contrasta com o início do século, onde, nas primeiras décadas, aconteceu certa estagnação. Alguns historiadores, dentre eles Whitehead (1951), pensam a produção científica do século XVIII como simples continuidade do período “glorioso” anterior. Assim, este período seria caracterizado por uma tendência menor, não haveria produzido um desenvolvimento do conhecimento proporcional ao século anterior.
Sobre este respeito, nos declara Bernal (1976):
“El impulso originário que habia creado la ciência em el Renascimiento y la habia guiado a traves de la gran expasion de mediados del siglo XVII, parecio disminuir, y aun extinguirse, a finales del mismo siglo” (BERNAL, 1976, p. 391).
Para Bernal (1976), explica-se este decréscimo da prática científica de duas maneiras. Do ponto de vista interno, o newtonianismo conferiu a ciência um caráter acabado, devido, aos grandes êxitos propiciados por estes procedimentos. No contexto social, vemos a substituição de uma classe que impulsionava o “avanço”. Ela havia sido sucedida por um segmento menos propenso a investimentos. Ainda nos diz o autor:
Esta, la primera aristocracia Whig, considero mas segura la inversion em la tierray satisfazo su intereses especulador em aventuras tan gloriosas como la estafa del mar do Sur. La clase que la sucederia em el poder, los nacientes pero muy debiles manufactureros que más tarde originarían la Revolucion Industrial, no eram todavia conscientes das posibilidades o siquiera la existência de la ciencia (BERNAL, 1976, p. 391).
Contudo, pensar o século XVIII como um período de infrutífero para a ciência é negligenciar o processo global, uma vez que, em meados deste século, a ciência alcançaria um enorme respeito na produção da verdade social. Para Bernal (1976) se processa uma segunda revolução científica durante o século das luzes, ligada química, o que ele chama de “revolução neumatica”.
A Revolução Científica moderna operou com premissas e postulados que viriam a sofrer a perda de sua preponderância frente a novos paradigmas e metodologias. O racionalismo e o dedutivismo foram à base metodológica que corroborou todo o pensamento mecanicista deste período inicial. Assim, temos na ciência da modernidade duas metodologias bem evidentes. No primeiro momento da ciência, na sua gênese e luta pela sobrevivência, o racionalismo e o dedutivismo firmaram-se como métodos “oficiais”, era a matemática a principal linguagem do mundo; tendo o pensamento cartesiano influenciado profundamente toda prática científica. Posteriormente, no século XVIII, o racionalismo cartesiano cedera lugar ao experimentalismo newtoniano. A indução ganha o lugar da dedução. Claro está, que a ascensão de uma metodologia não coincide, necessariamente, com extinção de outra. Trata-se de uma generalização, e de observar qual método detinha, neste momento, a hegemonia. O pensamento de Newton contribui decisivamente para a preeminência do experimentalismo, além de fatores sociais que serão adiante explicitados. Este é o período de institucionalização da ciência. Exatamente quando ocorre uma cientifização das idéias, sobretudo, as políticas. A este respeito coloca Japiassu (1997):
"Graças a influencia de Newton, a ciência se estabiliza. A ciência torna-se uma instituição respeitável [...]. Os filósofos do século XVIII puderam tomar como verdade a visão cientifica do mundo legada por Newton: estenderam e reconciliaram suas conclusões com o padrão sócio-econômico em desenvolvimento" (JAPIASSU, 1997, p. 245).
Os “avanços” oriundos do campo científico, sob a tradição do newtonianismo, somados com outras variantes ligadas a ascensão da burguesia, vão imbuir todo o século XVIII da noção de “progresso”. Vai estabelecendo uma relação, sem precedentes, na forma com que interagem a ciência e o poder político. Ocorre uma cientifizacão nos modelos de explicação social, bem como uma absorção da idéia de ciência enquanto instrumento indispensável para a organização da sociedade. Poder-se-ia argumentar que isto remonta uma tradição baconiana, mas o status e a força que ganha o discurso científico, marcam o otimismo e a esperança na capacidade da ciência explicar e, agora, atuar praticamente sob o mundo. Assim, teoria e pratica; ciência e política; começam a imbricassem, de tal modo, que durante o século XIX, será quase que impossível traçar uma linha rígida sobre onde começa uma e acaba a outra. Bernal (1976) evidencia este caráter de intervenção no mundo que começa a surgir neste século:
"Muy pocas cosas de uso práctico se seguiron de los esfuersos de los científicos del siglo XVII, organizados em sus sociedades y academias, para mejorar los manufacturados o la agricultura. Por en contrario, a finales del siglo XVIII comenzóa advertirse La conjugacionde las innovaciones cientificas y capitalistas, y su conjugacion puso en movimiento fuerzas que transformarían el capitalismo, la ciência y la vida de todos los pueblos del mundo." (BERNAL, 1997, p. 398)
O século XVIII fornece ao “mundo” um modelo científico-social: a utopia técnica. Exatamente esta visão que o conhecimento verdadeiro — o científico — libertará o homem das suas angustias e debilidades. O próprio iluminismo forjará o acúmulo de conhecimento com “estágios” progressivos de felicidade e racionalidade. Como nos indica Japiassu (1997):
Nele vai apoiar-se o “espírito do iluminismo”, fundado tanto na crença de que a razão e a ciência permitem ao homem alcançar graus cada vez maiores de liberdade e um nível crescente de perfeição quanto na idéia de que o progresso intelectual deve servir constantemente para o progresso geral do homem. Com efeito, diferentemente dos pensadores do século XVII, os filósofos do iluminismo construíram um ideal de explicação e de compreensão segundo o modelo da física de Newton (JAPIASSU, 1997, p. 223).
Esta inflexão no pensamento científico, durante o século XVIII, é visível em outras instâncias da produção do conhecimento, inclusive na organização e institucionalização da ciência, mediados pelas sociedades científicas e pela própria universidade.
A DIFUSÃO DA CIÊNCIA NA EUROPA E AS ACADEMIAS CIENTÍFICAS
Durante o século XVIII, a Europa começou a intensificar os meios de transmissão de saber. A impressão de livros exerceu papel fundamental para que a ciência fosse propagada por todo o continente. Will Durant (1964) postula que “os primeiros heróis da divulgação do saber foram os impressores-editores, que alimentaram a corrente de tinta na qual ele fluiu de espírito a espírito e de geração a geração” (DURANT, 1964, p. 199).
Partindo do que afirma Durant (1964), poderemos, também, dar um estimado valor ao papel das bibliotecas. Ora, se a intensificação na publicação das obras garantiu que o livro pudesse fluir “de espírito a espírito e de geração a geração”, as bibliotecas eram o ambiente mais propício para se discutir e acumular as obras antigas. Não podemos deixar de considerar que o aumento na publicação dos livros e no número de bibliotecas, se deu muitas vezes pelo patrocínio do Estado; como exemplo, temos Catarina de Médicis, que acrescentou à Bibliotetèque Nationale vários volumes e manuscritos (DURANT, 1964).
É justamente o apoio do Estado que garantirá que a ciência seja difundida com mais facilidade. Os filósofos naturais foram “recrutados” das universidades para as cortes para atender aos interesses dos governantes. Entretanto, essa submissão dos filósofos naturais aos absolutistas não representava que o poder do monarca estivesse acima da ciência; as universidades não possuíam um arcabouço suficiente para as inovações científicas do século XVIII.
Quando nos referimos à falta de arcabouço das universidades, não estamos nos referindo a uma estrutura precária da instituição, estamos falando em um plano ideológico. As universidades assumiam uma postura conservadora em relação ao incentivo para novas descobertas científicas. Peter Burke (2003) afirma que as universidades estavam mais voltadas para a manutenção e simples transmissão do saber, do que para, realmente, incentivar as inovadoras práticas científicas.
Dessa maneira, os filósofos naturais não puderam desenvolver dentro do conservadorismo universitário as suas experimentações científicas nem propor novas metodologias de trabalhos. Galileu Galilei, por exemplo, desenvolveu as suas pesquisas fora das universidades. Embora tenha sido professor universitário, foi com o patrocínio do Estado que pôde desenvolver as suas práticas científicas e as suas propostas metodológicas.
Se as universidades européias não permitiram grandes avanços para a ciência empírica do século XVIII, era a corte quem exerceu papel fundamental na propagação do conhecimento científico. Conforme Henry (1998):
"Mudanças na natureza e na estrutura das cortes reais numa Europa de Estados cada vez mais absolutistas também deram ao mathematicus oportunidades mais amplas de fazer sentir a sua presença. O matemático que conseguia impressionar o príncipe com a sua produção de mirabilia, máquinas ou cenários para espetáculos teatrais e outros aperfeiçoamentos da imagem do príncipe podia elevar-se acima daqueles envolvidos apenas na administração do Estado" (HENRY, 1998, p. 27).
John Henry (1998), ao afirmar que os mathematicus que impressionavam os príncipes elevavam seu status, mostra-nos que, inicialmente, os interesses dos absolutistas com os filósofos naturais estavam ligados ao seu divertimento. Entretanto, não é de se admirar que a ciência se transforme em um instrumento de poder do Estado. A finalidade prática do conhecimento científico teria mais utilidades que o lúdico para as cortes; a matemática — continuando com o exemplo — seria fundamental na organização militar dos exércitos e em finalidades puramente comerciais.
O crescente interesse do Estado pela ciência gerou transformações pela Europa. Ao raiar do século XVIII, já existiam mais de 600 academias científicas no leste europeu (RONAN, 1997). A institucionalização da ciência nas academias científicas marca a Revolução Científica do século XVIII; dando ao conhecimento científico o suporte para que o saber fosse propagado de maneira empírica.
Entre as academias, destacaremos a Royal Society de Londres, aquela que melhor representou as finalidades das academias científicas. Antes do emergir da Royal Society, alguns Estados absolutistas já investiam na ciência fora dos muros da universidade. Destaque-se o Observatório de Greenwich e de Paris; as academias de eruditos de Nápoles; e, em Florença, a Academia do Lincei. Todos esses centros estavam voltados para a ciência experimental.
Em Londres, com o aval de Elizabeth I, foi fundado por um de seus conselheiros financeiros, Sir Thomas Gresham, uma academia que não se limitasse a simples obtenção de conhecimento puro e pretendia algo mais que a proposta das universidades.
A idéia de Gresham era que sua faculdade abrigasse sete professores residentes, que fariam conferências públicas tanto em inglês quanto em latim, devendo algumas delas tratar de matérias científicas práticas, não constantes, então de nenhum currículo de qualquer universidade (RONAN, 1997, p. 109).
O Gresham Collegue foi fundamental para a fundação da Royal Society of London for Improving Natural Knowledge, porém, foi o pensamento de Francis Bacon que permitiu que essa academia britânica tivesse a importância que teve para a ciência do século XVIII. Bacon tinha o seu pensamento voltado para uma ciência experimental voltada à assistência do homem ao invés da aquisição do conhecimento puro.
O empirismo se propaga em vários ramos do conhecimento científico. A física, por exemplo, tem os estudos de óptica aprimorados e voltados para finalidades práticas (telescopia e microscopia). A química apresenta como novidade o vácuo no estudo dos gases, que vai de encontro à concepção aristotélica sobre a impossibilidade de existir algo como o vácuo. A geologia é elevada ao status de ciência; o crescente interesse pela paleontologia dá às ciências da terra um maior interesse de pesquisa pelos intelectuais. A biologia sofre um processo de maior sistematização do conhecimento, com destaque para a cirurgia que passa a usar métodos científicos, e desprezar o antigo “método de sorte”.
A Royal Society começou a divulgar e publicar a obra dos seus integrantes em bilíngüe (latim e inglês). Eis um ponto crucial para a difusão da ciência: a língua. Enquanto o latim privava o público do acesso às obras científicas; o inglês permitia uma maior aquisição e absorção dos livros. Quando a Royal Society passa a publicar obras em vernáculo, a academia estende ainda mais a propagação científica no século XVIII, e conseqüentemente, aumenta o interesse pelo conhecimento científico, agora não só por parte do Estado, mas dos comerciantes e de uma população mais esclarecida.
UMA INTERPRETAÇÃO EXTERNALISTA DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA:
A RELAÇÃO CAPITALISMO/BURGUESIA E TECNOLOGIA/CIÊNCIA
Como tínhamos dito, a linha de pensamento externalista de análise da História da Ciência é uma tendência de enxergar o desenvolvimento das idéias científicas enquanto reflexo de uma determinada sociedade.
Nessa maneira de pensar, a ciência se desenvolveria em respostas às necessidades mais diversas da sociedade, ainda que fossem elas econômicas, políticas, militares, enfim, as mais variadas questões imprescindíveis, principalmente a um determinado grupo social específico, patrocinador do desenvolvimento da ciência, que no caso da Ciência Moderna, seria a burguesia.
No cerne oposto à corrente externalista, o paradigma internalista da História da Ciência, que admite que a ciência se incrementa de novos paradigmas e conceitos per si e para si, vê o desenvolvimento científico totalmente desvinculado da realidade concreta vivenciada pelos cientistas, ou seja, de uma maneira pura em si mesmo.
Hilton Japiassu (1991) evidencia ambas as correntes de pensamento no seguinte fragmento: “A ciência moderna nasceu com o advento do sistema mercantilista. Não surgiu como uma atividade pura e desinteressada, como uma aventura espiritual ou intelectual” (JAPIASSU, 1991, p. 157).
Portanto, quando analisamos o brotar da ciência na Idade Moderna, não podemos desvincular, segundo a ótica externalista, todo o quadro sócio-econômico de então. O capitalismo comercial, ou capitalismo mercantil, ou mercantilismo, ou mesmo pré-capitalismo, assiste e ao mesmo tempo fomenta ao desabrochar dos mais variados campos científicos.
Nesse período, uma classe social que irá se consolidar definitivamente no século XIX, começa a dar seus primeiros sinais de proeminência econômica: a burguesia. Obviamente não a burguesia clássica dos romances do XIX, mas uma burguesia ainda hesitante, uma “burguesia anobrezada”, que ainda investia na aquisição de terras, e na compra de títulos de nobreza. No entanto, uma classe social já de considerável destaque financeiro.
Objetivamente, para a corrente externalista de interpretação da História da Ciência, essa necessidade comercial, alavancada principalmente pela expansão ultramarina, fez com que a ciência começasse a se desenvolver.
A ciência era extremamente ligada às práticas comerciais, e com isso, vemos a aparição e o crescimento, por exemplo: da Astronomia, da Cartografia, da Geologia, da Geografia — ciências estas essenciais à eficiência navegação; da matemática, que atende às necessidades da contabilidade financeira (empréstimos, juros, etc.) do período; e assistimos, outrossim, ao desenvolvimento da Engenharia Bélica, incitada pela concorrência entre estados rivais.
Esta inventividade técnica desenvolvia um jogo dialético com a economia de então: ao mesmo tempo em que ela desenvolvia e estimulava o comércio, era estimulada por ele. Na prática, acontecia um reforço mútuo entre o saber e o comércio.
Todo esse processo atingia diretamente a própria burguesia, a grande beneficiária de todo este desenvolvimento econômico-científico. Tais acontecimentos ocorreram pioneiramente nos países da Península Ibéria (Portugal e Espanha). No entanto, por razões diversas, a burguesia se viu perseguida nessas sociedades.
É neste momento — nos séculos XVII e XVIII — que o eixo das grandes mudanças, dos grandes acontecimentos, transfere-se para os países do norte, notadamente Inglaterra e França. É nesses dois países que a burguesia se consolida politicamente, primeiro na Inglaterra no século XVII, e posteriormente na França, em fins do século XVIII.
A partir daí a ciência sofre um impulso jamais visto durante a História. É o momento em que a economia gira em torno de uma esfera que passará a ser central e essencial na vida das sociedades de então: da produção. O capital agora não advém apenas do comércio, da circulação de bens.
Portanto, a ciência institucionalizada politicamente, passa agora a ter um papel muito mais relevante socialmente durante, principalmente o século XVIII. Karl Marx & Friedrich Engels (2006), no Manifesto do Partido Comunista, que data de 1848, escrevem sobre estas transformações ocasionadas pela ascensão e consolidação política da burguesia:
"Em seu domínio de classe de apenas cem anos, a burguesia criou forças produtivas mais poderosas e colossais do que todas as gerações passadas em conjunto. Subjugação das forças da natureza, maquinaria, a aplicação da química na indústria e na agricultura, navegação à vapor, ferrovias, telégrafos elétrico, exploração de continentes inteiros, navegabilidade dos rios, populações inteiras brotadas do solo como que por encanto — qual século anterior poderia suspeitar que semelhantes forças produtivas estivessem adormecidas no seio do trabalho social?" (MARX; ENGELS, 2006, p. 50).
Portanto, logo podemos perceber o quanto se transformou a ciência originária do período da Renascença. Nos séculos XV e XVI, a ciência, sem dúvida, tem uma empregabilidade técnica, no entanto, não na mesma proporção que irá atingir nos séculos XVII, e principalmente no XVII.
No período inicial, a ciência estava bastante ligada ao comércio, já no século XVIII, a produtividade se tornou questão primordial. Nesse período, aparecem os investimentos em novas tecnologias de produção, de indústria, ainda que embrionária.
John Bernal (1976) nos elucida muito bem acerca desta temática das diferenças existentes entre a ciência renascentista e a do período das luzes:
"El Mayor estímulo y empleo práctico de la ciência se había dado en el ámbito de la navegación, apéndice indispensável del comércio pero sólo indirectamente relacionado com la produción. [...] Por el contrário, a finales del seglo XVIII comenzó a advertirse la conjugación de las innovaciones científicas y capitalistas, y su interacción puso en movimiento fuerzas que transformarían el capitalismo, la ciência y la vida de todos los pueblos del mundo" (BERNAL, 1976, p. 398).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mudanças do conhecimento do século XVIII foram explanadas de tal maneira que se pudessem perceber as suas divergências em relação à ciência renascentista, do século XV e XVI. Ao longo deste trabalho, portanto, procurou-se evidenciar, analisar, e exemplificar as transformações e as continuidades que ocorreram durante o processo de formação da ciência das luzes.
O newtonianismo, internamente, conferiu à ciência um status quase que acabado, proporcionado graças ao grande êxito dos seus novos procedimentos, notadamente os empíricos. E, externamente, observamos o alvorecer da burguesia, como classe social patrocinadora desse desenvolvimento científico, e o reflexo no crescimento econômico, de maneira especial na França e na Inglaterra, especificamente ao longo do século XVIII.
A ciência no século XVIII conseguiu, portanto, uma reverência global na produção de verdades sociais. Vemos este reflexo no aparecimento das Academias Científicas e nas próprias universidades. É este, portanto, o processo de institucionalização da ciência moderna.
REFERÊNCIAS:
BERNAL, John D. Historia social de la Ciência: La ciência em la historia. Volume I. Barcelona: Edições Península, 1976.
BURKE, Peter. Uma História Social do Conhecimento: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1990.
HARTOG, François. O Espelho de Heródoto: Ensaios sobre a representação do outro. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
HEGENBERG, Leônidas. Explicações Científicas: Introdução à Filosofia da Ciência. São Paulo: EDUSP, 1973.
HENRY, John. A Revolução Científica e as origens da Ciência Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
JAPIASSU, Hilton. As Paixões da Ciência: estudos de História da Ciência. São Paulo: Letras e Letras, 1991.
JAPIASSU, Hilton. A Revolução Científica Moderna. De Galileu a Newton. São Paulo: Letras e Letras, 1997.
KEARNEY, Hugh. Orígenes de la Ciência Moderna 1500-1700. Madrid: Guadarama, 1970.
MARVIN, Perry. Civilização Ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Mantin Claret, 2006.
MOCELLIN, Ronei C. Uma Breve História da Ciência. Curitiba: Nova Didática, 2000.
PRICE, Derek de Solla. A Ciência desde a Babilônia. São Paulo: EDUSP, 1976.
RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência: da Renascença à Revolução Científica. Volume III. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
ROSSI, Paulo. A Ciência e a Filosofia dos Modernos. São Paulo: UNESP, 1992.
ROSSI, Paulo. O Nascimento da Ciência Moderna na Europa. São Paulo: EDUSP, 2001.
TATON, René (org.). História Geral das Ciências: o século XVIII. Tomo II. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960.
WHITEHEAD, A. N. A Ciência e o Mundo Moderno. São Paulo: Brasiliense, 1951.
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Um comentário:
Gostei do artigo de vocês. Parabéns! Ele me inspirou algumas ideias que preciso desenvolver num artigo sobre o Frankenstein, de Mary Shelley.
Um abraço
W. Ramos
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