UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Curso de Especialização em História do Século XX
Disciplina Panorama da Igreja Católica no Século XX
A IGREJA CATÓLICA E O FENÔMENO DOS PADRES CANTORES
Luciana Paula Carvalho de Souza Leão
Trabalho destinado à conclusão da disciplina “Panorama da Igreja Católica no Século XX”, ministrada pelo Prof. Dr. Severino Vicente da Silva, no Curso de Especialização em História do Século XX
Recife 2008
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
2 CRISE NA IGREJA CATÓLICA
3 FENÔMENO DOS PADRES CANTORES
4 MODERNO OU TRADICIONAL?
5 A IGREJA CATÓLICA E O SÉCULO XXI
1 INTRODUÇÃO
Antes hegemônica entre os brasileiros, a Igreja Católica passou a vivenciar, a partir dos anos 80, a disputa dos fiéis por outras religiões, em especial pelas igrejas evangélicas de cunho pentecostal. Naquele momento, dividida entre os teólogos da Teologi a da Libertação e os conservadores, a Igreja identificou a necessidade de reagir e passou a incentivar o uso dos meios de comunicação como forma de divulgar a mensagem de Jesus Cristo e atrair fiéis para os templos.
Entre as formas de responder a este desafio está o crescimento do número de emissoras de rádio e de televisão católicas e o fortalecimento da Renovação Carismática Católica no Brasil (RCC). No seio da RCC, surgiram vários padres que utilizam a música como meio de atrair fiéis para as igrejas, chamados popularmente de padres cantores. O mais famoso deles é o padre Marcelo Rossi, paulistano de 41 anos, que, em 1997, massificou um novo formato de missas e cerimônias religiosas caracterizadas por muitas canções, por orações pela cura individual e em agradecimento por graças alcançadas.
Neste trabalho, vamos analisar a trajetória de padre Marcelo Rossi e de outros padres cantores nestes últimos 11 anos, as críticas que sofreram dentro e fora da Igreja Católica, as contradições entre o moderno e o tradicional no discurso e na prática destes sacerdotes e as conseqüências deste fenômeno para a Igreja. Ao final, abordaremos as perspectivas dos padres cantores – que foram incentivados pelo papa João Paulo II – no novo contexto da Igreja, sob o papado de Bento XVI.
2 CRISE NA IGREJA CATÓLICA
O papa Bento XVI, que assumiu o papado em 19 de abril de 2005, após a morte de João Paulo II, quer os católicos mais firmes e mais bem formados em sua fé. A Igreja não quer apenas os abastados e que abandonaram a religião, mas pretende evangelizar as camadas mais pobres da população e que estariam sedentas de Deus, sem, contudo, se aproximar da Teologia da Libertação. Na sua primeira visita ao Brasil, em maio de 2007, Bento XVI deu demonstração do modelo de igreja que pretende adotar: canonizou Frei Galvão fora do Vaticano, numa atitude considerada inédita, promoveu encontro com a juventude militante católica e visitou uma fazenda de recuperação de drogados. Aproveitou também para mostrar a sua preocupação com a evasão de fiéis católicos no Brasil – fato confirmado pelos censos do IBGE desde 1991. Para ele e para o clero mais conservador, no qual se insere o cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Odilon Scherer, a Igreja precisa chegar aos lugares mais afastados, por meio dos padres e dos cristãos leigos, nas escolas, nos centros comunitários, no trabalho.
Ser católico no Brasil, até os anos 60, era seguir a orientação de bispos e padres, sem muita contestação. Com o advento do Concílio Vaticano II, na década de 60, que, na verdade, espelhou em suas diretrizes as mudanças ocorridas no mundo naquele momento, muitos católicos passaram ser sujeitos engajados politicamente, no caso dos adeptos progressistas da Teologia da Libertação. Foi a luta contra as ditaduras, a defesa dos direitos humanos, o que mais congregou parte da hierarquia católica do Brasil, nessa época, para uma postura progressista . Outros continuaram freqüentando as missas tradicionais, nas quais os “novos ventos” pouco foram sentidos. Alguns ainda se diziam católicos, por formação, mas deixaram de ir à missa. Entre os que se distanciaram da Igreja, alguns o fizeram por buscar um entendimento direto com Deus, sem a intermediação de outros na sua religiosidade. Já as questões ligadas à sexualidade e reprodução (proibição ao sexo fora do casamento e ao uso da camisinha e de anticoncepcionais), embora não praticadas nos moldes do catolicismo tradicional, não teriam sido motivo para o afastamento ocorrido. Há os casos ainda dos que deixaram de se denominar católicos ou passaram a freqüentar outras religiões, principalmente as novas religiões de cunho pentecostal, num formato de protestantismo popular.
Para a antropóloga Regina Novaes, do Instituto Superior dos Estudos da Religião (ISER)
“O catolicismo se confunde com a cultura e se mistura com a história, com a ocupação do território, com o calendário de festas e de dias cívicos, sempre foi possível ser católico e não seguir a doutrina. O batizado, o casamento religioso e o enterro católico fazem parte dos rituais de apresentação social no país, expressam diferenças de poder aquisitivo e prestígio. Há quem freqüenta a Igreja e segue a doutrina, há quem esconde vivências religiosas e há quem se defina como católico e umbandista. Há uma convivência de muitas formas de ser católico”.
Em 1970, os católicos eram 91,8% da população brasileira. O que os censos demonstraram em 1991 e em 2000 – neste último, os católicos são 73,9% dos brasileiros, mas os evangélicos já somam 15,6% da população –, é que houve maior penetração do pentecostalismo em regiões como o Centro-Oeste, o interior da Bahia e nas periferias das capitais do Nordeste e do eixo Centro-Sul . Em sua maioria, os novos evangélicos eram migrantes, com baixo nível de escolaridade e de qualificação profissional, segundo o sociólogo César Romero, um dos autores de trabalho publicado no Atlas da Filiação Religiosa e Indicadores Sociais no Brasil. Para Romero, nas áreas onde o pentecostalismo cresceu, o Estado estaria ausente. Os migrantes, que haviam perdido suas raízes e não mantinham vínculos com a sociedade local, terminavam sendo acolhidos pelas igrejas evangélicas , que fazem uso da comunicação televisiva e pelo rádio como um dos principais meios para se chegar ao fiel. A compra da Rede Record pela Igreja Universal do Reino de Deus foi o ápice desta “corrida” pelos fiéis, numa demonstração de força inequívoca desta nova religião.
Ainda na década de 80, o clero no Brasil despertou para estas mudanças, ligadas ao processo de urbanização das cidades, que favoreceram o surgimento de novas religiões e a difusão de religiões vindas do exterior . A partir de uma autocrítica, em que mudou sua postura de confronto com o que chamada anteriormente de seitas e de fanáticos, a Igreja passou a implementar mudanças de postura, buscando a modernidade, inclusive com o uso de ferramentas de marketing religioso e de comunicação. Ampliar o uso dos meios de comunicação para divulgação da mensagem católica foi um dos caminhos percorridos pelos católicos nesta busca, mesmo que com a desconfiança dos progressistas, ligados às Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e à Teologia da Libertação.
Dentro da Igreja, em especial nos setores de classe média, se avolumam os movimentos e grupos reavivamento espiritual, como a Renovação Carismática, o Treinamento de Lideranças Cristãs (TLC) e os Cursilhos de Cristandade . A Renovação Carismática Católica (RCC), movimento de leigos católicos nascido entre os pentecostais americanos em 1967 e trazido para o Brasil pelo padre Eduardo Dougherty em 1972, com características pentecostais e moral conservadora, se identificava, também, como os progressistas, como sendo fruto do Concílio Vaticano II, que ditou os novos rumos da Igreja a partir dos anos 60.
Dispostos a ir à luta contra “o inimigo”, em especial a Igreja Universal do Reino de Deus, os carismáticos passaram a usar as mesmas armas: a comunicação, contando, inclusive, com a benção do papa João Paulo II, conservador que privilegiou a ação pastoral e perseguiu os seguidores da Teologia da Libertação.
3 FENÔMENO DOS PADRES CANTORES
A Renovação Carismática Católica (RCC) precisou de apenas 16 anos para ser reconhecida pela Santa Sé como um movimento católico . A base de sua estrutura são os grupos de oração, organizados nas paróquias ou centros comunitários, liderados por leigos, que hoje deram origem a diversas comunidades carismáticas no País, onde os laços de vida dos seus integrantes se estreitam mais. Seus encontros são festivos, com música e gestos parecidos com os pentecostais, podendo ser organizados em âmbito paroquial ou mesmo diocesano, com grande autonomia. Caracteriza-se por promover grandes eventos de louvor a Deus e a Maria em áreas como estádios de futebol ou ginásios esportivos.
As sementes da RCC foram plantadas no Brasil ainda na década de 60, com o padre jesuíta norte-americano Harold Joseph Rahm, ou padre Haroldo, que fundou o Treinamento de Lideranças Cristãs (TLC) em que juntou elementos da espiritualidade jesuíta, da Juventude Estudantil Católica (JEC), da Juventude Operária Católica (JOC), da Legião de Maria entre outros movimentos, tendo a pretensão de formar lideranças cristãs . Neste trabalho, o objetivo era levar os jovens a ter experiência de iniciação na vivência espiritual, preparando-os para o futuro da Igreja.
Os padres Haroldo Rahm e Eduardo Dougherty, ao lado de outros sacerdotes estrangeiros e brasileiros, como o padre Jonas Abib, espalharam as experiências de oração por São Paulo e outros Estados, por meio de retiros e encontros de oração, dando início à RCC. Hoje, padre Haroldo atua na coordenação de fazendas de recuperação de dependentes e se afastou do comando da RCC. Os outros dois continuam na Renovação, comandando movimentos distintos.
Em 1980, padre Eduardo fundou a Associação do Senhor Jesus (ASJ), para divulgar material religioso como livros de formação e de cânticos, o que auxiliou a expansão dos ideais da RCC em todo o Brasil. As canções passaram a fazer parte das missas dominicais e embalavam os encontros de oração também pelo país afora. Aos poucos, foram sendo criados programas católicos em diversas emissoras, como o “Anunciamos Jesus”. Hoje, a ASJ produz conteúdo para sites na internet, para a revista Brasil Cristão e para a TV Século 21, que conta com retransmissoras em 14 Estados do País .
Também se destaca a Comunidade Canção Nova, capitaneada pelo padre Jonas Abib, que hoje já conta com uma rede de TV (TV Canção Nova) e é o canal católico que mais cresce no País. A emissora opera em VHF e em UHF e por satélite, contando com 500 retransmissoras de TV e 200 operadoras de TV por assinatura, cobrindo 52% do território brasileiro.
Uma outra rede católica, a maior delas, é a Rede Vida , que cobre em UHF-VHF mais de 1.500 municípios do Brasil, entre eles todas as capitais brasileiras e as 500 maiores cidades, sendo retransmitida também por TVs por assinatura. A programação ocupa as 24 horas do dia, incluindo noticiários e programas de entrevista não-religiosos. Nasceu a partir de um jornalista católico que obteve uma concessão de TV em São José do Rio Preto. Hoje, abriga de carismáticos a progressistas, sob o comando de João Monteiro Neto, o fundador.
Os três movimentos contam com sites interativos, em que estão disponíveis a programação veiculada nas emissoras de rádio e de TV, orações online e orientações religiosas.
Este ambiente estimulado pela corrente carismática, que já atinge mais de 12 milhões de católicos no País, foi propício para o surgimento do fenômeno dos padres cantores, do qual o padre Marcelo Rossi é o seu principal expoente. Lá trás, na década de 60, o pioneiro José Fernandes de Oliveira, conhecido nacionalmente como padre Zezinho, estimulou os fiéis a entoar cânticos evangelizadores. Desde 1969, já são mais de 1.500 canções, a maioria de sua autoria, que estimularam Marcelo Rossi e os demais sacerdotes cantores, como os padres Antônio Maria e Zeca e, mais recentemente, Joãozinho e Fábio de Melo, estes dois ligados à Canção Nova e da mesma congregação de padre Zezinho, dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus.
Fábio de Melo já tem dez anos de estrada e já gravou mais de dez discos. Apresenta-se em casas de shows, vende livros e CDs, ministra palestras, mas somente agora a mídia comercial o descobriu. Seu CD mais recente é divulgado quase diariamente na Rede Globo. Padre Joãozinho é catarinense de Brusque e também viaja o País inteiro realizando shows. Sua agenda para 2009 , divulgada no seu blog na Internet, prevê retiros em São Paulo e Betim, no Carnaval; um período de um mês em Roma, entre maio e junho, no Capítulo Geral da Congregação, cursos sobre o seu livro “As virtudes do Líder Amoroso”, para empresários, e muitos shows de evangelização, principalmente no Nordeste.
O padre Antônio Maria, sacerdote há 29 anos, já gravou 16 CDs, inclusive com a participação de cantores como Daniel, Ângela Maria, Agnaldo Rayol, José Augusto, Moacyr Franco, Roberto Leal, Hebe Camargo, Chitãozinho e Xororó, Sérgio Reis, Zezé Di Camargo e Luciano, Leonardo, Simone, Rio Negro e Solimões, César e Paulinho, Jorge Aragão, KLB e Alexandre Pires. Participa freqüentemente de programas de televisão comercial e também é responsável pelo programa "Pra lá de bom", na TV Século 21. Virou uma celebridade nacional e circula entre os artistas, celebrando missas, batizados e casamentos de famosos. Mantém atividades sociais no bairro de Jaraguá, em São Paulo, atendendo 350 crianças de diversas idades, e é devoto de Nossa Senhora de Schoenstatt, a quem homenageia levando sua imagem para onde vai .
Ídolo da juventude carismática, o padre Zeca, 37 anos, reassumiu seu nome de batismo – José Luiz Jansen de Mello Neto – há um ano, quando pediu licença à Arquidiocese do Rio de Janeiro e se afastou de suas funções sacerdotais. Criador do movimento “Deus é Dez”, arrastou milhares de jovens para eventos na Praia de Ipanema nos anos 90, mas hoje circula entre amigos em bares e boates, e não comenta o motivo de seu afastamento da Igreja .
Já o mais famoso de todos os sacerdotes cantores – o padre paulistano Marcelo Rossi, de 41 anos, continua em “plena forma”. Foi alçado ao estrelato com a realização de megaeventos, como o realizado no dia 2 de novembro de 1997, o encontro religioso "Sou feliz por ser católico", quando ele reuniu numa missa 70 mil pessoas no estádio do Morumbi, em São Paulo. No ano seguinte, no dia 12 de outubro de 1999 , no Maracanã, com a presença dos outros padres cantores – Zeca, Zezinho, Jonas Abib e Antônio Maria –, Marcelo Rossi foi o maior responsável por atrair mais de 170 mil pessoas ao estádio. Ele já lançou oito CDs, ultrapassando mais de 9,5 milhões de discos vendidos. O primeiro CD “Canções para Louvar ao Senhor” teve 3,5 milhões de cópias vendidas. Para reforçar a imagem de evangelizador, lançou dois filmes, , em 2003 “Maria, Mãe do Filho de Deus”, com a participação da atriz global Giovanna Antonelli, em que interpreta ele mesmo e o anjo Gabriel e, em 2004, “Irmãos de Fé”, que conta a vida do apóstolo Paulo, com a participação do também global Thiago Lacerda.
Superexposto no período de 1997 a 2002, quando não rejeitava convites para participar de programas de televisão, e recebeu inúmeras críticas por isso, hoje, o padre Marcelo Rossi está mais reservado, mas não se afastou do seu trabalho evangelizador pelos meios de comunicação. Mantém programas de rádio veiculado na Rádio Globo – seus primeiros programas em 1996 foram na Rádio Canção Nova – e em outras 118 emissoras pelo país afora e também celebra, ao lado do seu bispo, Dom Fernando Figueiredo, da Diocese de Santo Amaro (SP), a missa dominical na Rede Globo, veiculada também na Globo Internacional para 12 países.
No dia 21 de abril de 2008, no Autódromo de Interlagos, realizou o evento "Paz Sim, Violência Não" para comemorar os seus dez anos de evangelização, tendo gravado um DVD que leva o mesmo nome deste evento. A estimativa é que mais de três milhões de pessoas tenham acompanhado o evento, que contou com a participação de centenas de caravanas de todas as partes do País. Logo após os shows, com a presença de Xuxa, Ivete Sangalo, Bruno & Marrone, Zezé Di Camargo & Luciano, César Menotti & Fabiano, Alcione, Daniel, Sérgio Reis, Hebe Camargo e Paulo Ricardo, o padre Marcelo e o bispo Dom Fernando celebraram missa, com a participação do cantor Agnaldo Rayol e do maestro e pianista João Carlos Martins .
O “recolhimento”, explica padre Marcelo, tem a ver com os exageros cometidos no passado:
“Depois de alguns anos aparecendo com muita freqüência, eu aprendi que a superexposição é perigosa. Há momentos em que se deve aparecer, mas existem outros em que o melhor é se recolher. E é quando bate aquela saudade. Em 1999, eu me expus tanto que fui eleito o “Mala do ano”. Não dava para continuar daquele jeito e eu reconheço que exagerei. Por isso minha saída dos meios de massa foi proposital” .
O sacerdote se afastou da mídia comercial, mas suas vendas continuam em alta. Ele justifica que não é um artista, mas um padre:
“O artista aparece e desaparece. E eu saí dos meios de comunicação populares, mas continuo nos veículos de viés católico. Tenho um programa diário em uma rádio que só no Rio de Janeiro é ouvido por mais de um milhão de pessoas por minuto. Em São Paulo, são 800 mil ouvintes. Em Belo Horizonte, outros 300 mil. E esse programa é retransmitido por 118 emissoras de rádio espalhadas pelo Brasil. Aí está a resposta para o meu sucesso .
Hoje, ele está mais envolvido com a arrecadação de recursos para a conclusão do Santuário Mãe de Deus, conhecido como do Terço Bizantino, um dos maiores templos já construídos no Brasil e que rivaliza em dimensão com os templos da Igreja Universal do Reino de Deus em construção no Rio de Janeiro e em São Paulo. O santuário, no distante bairro de Interlagos, terá capacidade para receber cem mil pessoas, duas vezes mais do que a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, no interior de São Paulo, e 30 vezes mais do que a Catedral da Sé . Para ele, o catolicismo precisa atualmente de religiosos que entendam a importância de reunir pessoas em um mesmo lugar para celebrar.
Ordenado padre em 1994, rapidamente ele ganhou fama na Diocese de Santo Amaro, na Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Santa Rosália, por suas missas de libertação. Rapidamente, os fiéis se aglomeravam em busca de curas e de graças. Ele já passou por diversos locais de celebração, cada um maior que o outro, enquanto aguarda a conclusão do novo espaço, prevista para o próximo ano. Atualmente, celebra missas num antigo galpão de fábrica, com capacidade autorizada de dez mil lugares. Dentro e fora destes ambientes, formou-se um comércio de artigos religiosos, incluindo livros, CDs e exemplares do Terço Bizantino, uma espécie de terço mais simples e mais acessível aos fiéis .
4 MODERNO OU TRADICIONAL?
Muitos integrantes do clero católico acreditam que o aparecimento do fenômeno dos padres cantores, em especial o de padre Marcelo, auxiliaram a Igreja a atrair de volta antigos fiéis e também incentivaram a identificação de vocações sacerdotais. Em outras como a do Rio de Janeiro, segundo pesquisa realizada por Sílvia Regina Alves Fernandes, do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS) , a influência dos padres cantores é mais sentida entre os vocacionados que se dizem carismáticos. Muitos demonstraram admiração pelo padre Marcelo Rossi, mas criticaram o relacionamento com a mídia e a exposição exagerada que o sacerdote alcançou. Para a pesquisadora, contudo, deve ser considerada a hipótese de que “a presença dos padres na mídia faz despertar na juventude a sensibilização para a presença de um novo ator social, anteriormente relegado às sacristias. Nesse sentido, na medida em que a figura do padre torna-se mais pública, passa a entrar no rol de opções profissionais ou vocacionais de uma juventude proveniente de camadas populares e com baixa capacidade de inserção na vida social”.
De uma forma geral, entretanto, números do CERIS indicam que, nos últimos anos, tem aumentado o número de jovens que ingressam na vida religiosa. Em 1970, havia 4.181 seminaristas diocesanos; em 1980, eram 5.329 seminaristas; em 1990, eram 5.870 jovens nos seminários; enquanto, em 1998, já eram 7.893 jovens freqüentando os seminários. Na Diocese de Santo Amaro, a de padre Marcelo Rossi, o número de seminaristas passou de cinco para 115 em dez anos.
O discurso do padre Marcelo Rossi é simples e se caracteriza pela repetição . Segundo ele, são “coisas rápidas para a sociedade de hoje, que tocam as necessidades da pessoa”. Suas homilias são curtas e se baseiam em exemplos compreensíveis para o católico, especialmente para aqueles que veneram Maria: “Jesus é o caminho, eu sou apenas a seta que aponta para esse caminho”. Ele incentiva a prática das novenas, da reza do terço e a realização das procissões, retomando símbolos do catolicismo tradicional , ao mesmo tempo em que se diz moderno, implementando mudanças na liturgia e ocupando espaço constante na mídia comercial.
Para os progressistas, sua fala, que se baseia na RCC, prega uma nova romanização na Igreja Católica no Brasil, levando a uma ortodoxia cada vez mais espiritualizada deixando de lado a questão política e social. As críticas mais ferozes vieram de teólogos como Frei Betto, Dom Mauro Morelli, Dom Pedro Casaldáliga, Leonardo Boff e padre José Comblin . Frei Betto, por exemplo, até considera positivo o reavivamento espiritual, o consolo aos aflitos, a cura dos enfermos e o reencontro da fé. Mas, critica o que chama de “fórmula do sucesso”, os momentos de louvor em que há muita emoção, pouca razão e o privilégio do espiritual em detrimento do social.
Já o teólogo Clodovis Boff, embora seja um dos nomes mais ligados à Teologia da Libertação, usa um discurso mais conciliador em relação à RCC . Segundo ele, a RCC “oferece um reforço da espiritualidade católica e conversão pessoal; propicia um reforço institucional através de sua ênfase na pertença comunitária” e “adequa-se à pós-modernidade porque responde às demandas de sentido e sabe falar ao coração do homem pós-moderno”.
O frade Alberto Beckhauser , ligado à CNBB, diz que “a organização litúrgica feita pela RCC é inadequada havendo superficialidade na adaptação da linguagem simbólica da liturgia à linguagem televisiva”. Ele se refere diretamente aos padres Marcelo Rossi, Jonas Abib e Eduardo Dougherty, criticando a exposição midiática, considerado um grave problema, caracterizado pela busca de resultados imediatos como o aumento do número de fiéis e paróquias com mais recursos financeiros.
Fenômenos autônomos um em relação ao outro, a Renovação Carismática e a Teologia da Libertação, na verdade, lutam por ideais que se complementam, na visão de Clodovis Boff . Para ele, enquanto a RCC vive a fé como experiência, enfatiza a oração, busca a transformação pessoal, dá importância à emoção, faz a opção pelos “perdidos”, está centrada na Igreja, liga-se à Igreja universal e visa à afirmação social da Igreja, os adeptos da Teologia da Libertação vivem a fé como prática, enfatizam o serviço, buscam a transformação social, dão importância à reflexão, fazem a opção pelos pobres, estão centrados no mundo, ligam-se à Igreja local e visam à renovação institucional da Igreja, não devendo as duas correntes ser tratadas, portanto, como setores antagônicos dentro da Igreja Católica, mas integrantes de uma só Igreja, voltada para a comunhão do homem com Deus.
5 A IGREJA CATÓLICA E O SÉCULO XXI
O anterior e o atual papa tiveram a mesma intransigência em relação a posições doutrinárias da Igreja. Mas, enquanto João Paulo II, ele próprio um comunicador que gostava de eventos de massa, incentivava a RCC e seus líderes, por entender que este poderia ser um caminho de estancar a fuga dos fiéis seduzidos pelos cultos evangélicos, o papa alemão pensa bem diferente. Por enquanto, não houve qualquer censura pública aos movimentos carismáticos, mas até mesmo a pouca participação de padre Marcelo Rossi na visita do papa a São Paulo no ano passado demonstra que a RCC perdeu força neste momento.
Marcelo Rossi concorda com o papa em temas como aborto, homossexualidade, experiências com células-tronco e ordenação de mulheres, mas os ritos que utiliza em suas missas não “combinam” com o estilo ortodoxo do pontífice, que já incentivou o retorno das missas em latim. Bento XVI já disse que” a liturgia não é um show. É completamente contraditório introduzir nela pantomimas em forma de dança, que freqüentemente terminam em aplausos” .
No passado, quando era prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, o então cardeal Joseph Ratzinger foi responsável por impor o silêncio a 140 teólogos de todo o mundo, principalmente progressistas. A expectativa agora é que ele, se não incentive como fazia João Paulo II, pelo menos não reprima ou os cale.
Como a RCC se mostrou até agora a resposta mais eficiente da Igreja para combater o avanço dos evangélicos e de outras religiões no País, com suas missas marcadas por uma liturgia coreografada , atraindo de volta para o catolicismo parte do rebanho que se havia desgarrado em busca de uma visão mais mística e menos politizada da religião, acreditamos que seja mantida a tendência de crescimento e o movimento, que congrega cerca de 12 milhões de pessoas no Brasil, seja abençoado pelo novo papa.
A RCC e seus seguidores, entre os quais estão os padres cantores, estão entre os movimentos que buscam reencantar o cristianismo, recuperando elementos antigos de religiosidade, ao mesmo tempo em que interpreta o momento atual da sociedade com base em padrões religiosos. Sua força está na organização do movimento, na sua ligação com os setores conservadores da Igreja (nacional e internacional) e de sua afinidade da sua mensagem religiosa voltada para a recuperação do catolicismo romanizado, mas, principalmente, por ter conseguido falar a língua de muitos que buscam Deus.
BIBLIOGRAFIA
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FERNANDES, Silvia. Padres Cantores e a mídia: representações da identidade sacerdotal. 2005.Ciências Sociais e Religião. Porto Alegre. N.7. 2005
SALES, Igor Marlon. A Autocompreensão da Igreja e a Renovação Carismática Católica (1966-2000). Dissertação de Mestrado
SILVA, Severino Vicente da. Entre o Tibre e o Capibaribe: Os limites do progressismo católico na Arquidiocese de Olinda e Recife. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2003. Tese de Doutorado.
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http://veja.abril.com.br/201099/p_150.html
www.redevida.com.br
http://blog.cancaonova.com/padrejoaozinho/page/2/
sábado, 24 de janeiro de 2009
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Um comentário:
Bastante esclarecedor, enuncivo e, claro, interessante, o trabalho sobre a Renovação Carismática Católica, movimento da Igreja Católica Apostólica que visa artair novos fiéis para seu rebanho. Com uma linguagem acessível, de compreensão clara, mas não menos sofisticada, a dissertação consegue explanar seu conteúdo com eficiência e naturalidade, oferecendo-nos um leque de informações diversificadas que nos mostram a situação atual da Instituição.
Espero que publique mais trabalhos a respeito da religiosidade brasileira e a sua influência em nossa estrutura social. Congratulações pelo Blog.
Um forte abraço.
Fausto Muniz, estudante do 4º Período de Jornalismo da Faculdade Maurício de Nassau e apresentador do Programa Canavial, Rádio Vicência.
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