domingo, 8 de junho de 2008

Acerca do Mercantilismo Europeu

Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Depto. De História
Disciplina: História Moderna II
Prof: Severino Vicente da Silva

Alunos: Guilherme Rabelo
Luciana Walter
Maurício de Miranda Penedo










Acerca do Mercantilismo Europeu









Recife, Junho de 2008.




1. Teoria Mercantilista: Surgimento, Porquês.

A doutrina e a política mercantilista situam-se numa fase histórica precisa: a do capitalismo mercantil, etapa intermediária entre o esfacelamento da estrutura feudal, de um lado, e o surgimento do capitalismo industrial, de outro. O sistema feudal, estrutura sócio-político-econômica típica da Idade Média Ocidental, resultou, fundamentalmente, do declínio do Império Romano e da deterioração de seu regime escravista de trabalho. Em linhas gerais, pode-se descrever o processo de feudalização como a distribuição de terras entre os senhores e a simultânea transformação dos trabalhadores rurais em servos de gleba. O regime feudal foi-se desenvolvendo, até atingir a plenitude de suas características, do século V ao X da Era Cristã. Em seus momentos iniciais, o feudalismo promoveu um grande desenvolvimento das técnicas e dos instrumentos de produção. O aparecimento do arado de ferro, o aperfeiçoamento da viticultura, da vinicultura, da horticultura e também da criação de eqüinos, ao lado de outras realizações materiais, assinalaram, de maneira expressiva, o referido progresso. No entanto, apesar de seus êxitos momentâneos, o sistema de produção feudal, depois de uma prolongada crise, entrou em colapso. Numa perspectiva global, a desintegração do regime feudal de produção derivou dos abalos sofridos pelo sistema, em decorrência do ressurgimento do comércio a longa distância no Continente Europeu. Efetivamente, a ampliação do raio geográfico das atividades mercantis provocou transformações relevantes na estrutura feudal.
A abertura do Mediterrâneo à presença ocidental, possibilitando o comércio com o Oriente, e o conseqüente aumento do volume das trocas entre regiões européias, até então comercialmente isoladas, geraram um universo econômico complexo, diante do qual o feudalismo reagiu de modos diversos. De um lado, nas áreas próximas às grandes rotas comerciais, onde a presença do comerciante era constante, o desenvolvimento do setor mercantil e da economia de mercado levou a uma natural dissolução dos laços de dependência servil. Do outro, em regiões menos desenvolvidas comercialmente, onde o contato com o mercado era privilégio das elites dominantes da sociedade feudal, o renascimento comercial promoveu, numa primeira fase, o reforço dos laços de servidão. Realmente, vitimado pela febre do consumo, atraído pelo número crescente de bens supérfluos colocados à sua disposição pelos mercadores, o senhor feudal, carente de renda, passou a tributar pesada e diferentemente os seus servos. Pouco a pouco, a camada servil, para atender às necessidades financeiras dos seus senhores, deixaria de pagar suas contribuições em produtos para fazer contribuições em dinheiro. Assim, progressivamente, os servos, agora obrigados a trocar sua produção por moedas, passariam a vender o produto do seu trabalho nas feiras e mercados urbanos. Dessa forma, em breve, a cidade capitalizaria o campo. Essa alteração da taxação senhorial, acompanhada da exigência de quantias cada vez mais elevadas, fez da servidão um fardo insuportável. Em conseqüência dessa situação opressiva, milhares de servos abandonaram os campos, buscando melhores oportunidades nas áreas urbanas. Outros, aqueles que permaneceram nos feudos, esmagados por tributação abusiva, foram levados à violência. Logo, a Europa Ocidental conheceria a explosão de inúmeras insurreições camponesas - fenômeno típico do período final da Idade Média. Assim, uma grave crise social no campo abalaria os alicerces do feudalismo. Nas cidades, a expansão do mercado e o crescimento das atividades de troca estimulavam as diferenciações sociais no meio urbano: os mestres enriquecidos tornavam-se capitalistas; os mais pobres — oficiais e aprendizes — transformavam-se em assalariados. As atividades artesanais, insuficientes para atender à crescente demanda, mostravam claros sinais de decomposição. A proletarização de grande número de produtores simples, agora desprovidos de seus instrumentos de produção levaria a crise social para dentro dos muros das cidades, através de inúmeros motins urbanos no Ocidente Europeu. Todas essas tensões sociais, que assolaram os campos e as cidades do Velho Mundo, refletiam as radicais alterações sofridas pela estrutura feudal em função do desenvolvimento da economia mercantil. Sem dúvida, as mudanças foram substanciais: o crescimento do mercado e o impulso dado às trocas acelerando o declínio do feudalismo, condicionaram realidades econômicas complexas e até então desconhecidas. Logo o Continente Europeu sofreria a especialização regional da produção. Com efeito, áreas inteiras, atingidas pela economia mercantil, dedicaram-se à produção de gêneros exclusivos, umas procurando nas outras o que não produziam e oferecendo ao mercado seus bens. Assim, a especialização das atividades produtivas — a divisão social do trabalho alargaria o universo das trocas, originando, a longo prazo, um mercado interno prenunciador dos mercados nacionais. Em pouco tempo, regiões européias, secularmente separadas entre si, passariam a ser ligadas pelo incessante fluxo de mercadorias através de movimentadas rotas comerciais. Não obstante, o regime feudal, mesmo decadente, ainda apresentava obstáculos ao progresso das atividades mercantis. A Europa era vítima de uma contradição: sua velha realidade política, o feudalismo, conflitava com sua nova realidade econômica, o comércio a longa distância. De fato, a permanência dos feudos, unidades políticas isoladas e plenamente independentes, contrastava com o movimento de alargamento dos mercados. Dessa forma, o sistema feudal, caracterizado pelo particularismo político, pela fragmentação do poder e pela total autonomia tributária, ao retalhar o Continente Europeu, retardava o ritmo de crescimento do comércio. Impunha-se, portanto, a extinção do fracionamento feudal. Nesse ponto residia o núcleo da maior fonte de tensões sociais e políticas no final da Idade Média.

O desenvolvimento das novas formas econômicas de produção e comércio passou a depender da superação das profundas e persistentes crises que marcaram o desaparecimento do sistema feudal. Um novo regime político, que permitisse a solução daqueles problemas sociais, se fazia necessário, sob o risco da dissolução das novas conquistas econômicas. Os Estados Nacionais e as Monarquias Absolutistas foram a resposta àquela exigência. As monarquias absolutistas foram instrumento político empregado na superação das crises determinadas pela desintegração do feudalismo. Efetivamente, a unificação territorial e a centralização política dos Estados Nacionais europeus, rompendo o isolacionismo dos feudos, possibilitaram o disciplinamento das tensões resultantes da expansão do setor mercantil. A primeira função da monarquia absolutista foi a manutenção da ordem social interna dos Estados Nacionais, mediante a sujeição de todas as forças sociais — do plebeu ao nobre — ao poder real. Em breve, o Estado Nacional centralizado desempenharia um segundo papel: o de estimular a expansão das atividades comerciais. No fim da Idade Média, o comércio europeu chegara a um impasse: a economia do Velho Mundo, além de abalada pelas tensões sociais provenientes da crise do feudalismo, sofria uma severa depressão monetária. A Europa, possuidora de pequenas reservas de ouro, contava basicamente com linhas externas de abastecimento do precioso minério. Tal situação provocou uma enorme competição entre os principais centros de comércio, todos eles interessados no domínio exclusivo das grandes rotas mercantis.

Os mercadores italianos de Gênova e Veneza controlavam o setor comercial mais importante da época (século XV): o de produtos orientais. Os demais núcleos mercantis — ingleses, holandeses, franceses e ibéricos — tiveram, portanto, de buscar novas e melhores rotas. Entretanto, a abertura de novas frentes de comércio dependia de uma ação ousada: a penetração no oceano desconhecido. Esse empreendimento, a par de envolver uma grande margem de risco, requeria uma quantidade de meios financeiros superior às possibilidades das empresas mercantis medievais. Na realidade, tão grande mobilização de capital e rentabilidade a longo prazo da aventura marítima tornaram-na inviável para as precárias estruturas empresariais então existentes. Somente uma forma organizacional mais sofisticada, como a do Estado Nacional, poderia levantar os recursos, humanos e materiais, necessários à tarefa de desbravar os oceanos. Há uma íntima conexão entre esses dois processos quase simultâneos: a formação dos Estados Nacionais europeus e a expansão ultramarina. Na realidade, Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra e França só puderam lançar-se à corrida colonial à medida que se estruturaram internamente como Estados Modernos, isto é, centralizados e unitários. As conquistas ultramarinas e o conseqüente desenvolvimento da economia européia propiciaram, a um grande número de pensadores europeus, a elaboração de um projeto teórico que serviria de guia para o estabelecimento de uma política econômica que era favorável ao fortalecimento dos Estados Nacionais e ao enriquecimento de suas camadas mercantis. Esse conjunto de doutrinas e normas, que caracterizaram a história e a política econômica dos Estados europeus, ficou conhecido pela denominação genérica de Mercantilismo.

O Mercantilismo teve um objetivo preliminar estritamente prático e imediato: estabelecer as diretrizes econômicas do Estado Nacional centralizado. Por essa razão, não partiu de uma conceituação científica pura ou de uma contemplação desinteressada da vida econômica. Ao contrário da maioria das correntes da Economia Política, percorreu o caminho inverso: as diretrizes mercantilistas nasceram da intervenção concreta na realidade econômica, assumindo a forma inicial de uma série de receitas para superar os obstáculos que dificultavam a expansão da economia de mercado e a prosperidade das nações. Mais tarde, plenamente amadurecido, o Mercantilismo firmou-se como uma teoria sistemática de explicação da realidade econômica. Isto, entretanto, resultou da necessidade, experimentada pelos defensores das medidas mercantilistas, de justificar, no plano teórico, a exatidão de suas normas e recomendações práticas. Apesar das variações de Estado para Estado e de época para época, houve uma série de princípios comuns que orientaram a política mercantilista. O metalismo incentivava o acúmulo de ouro e prata, com o objetivo de facilitar a circulação de mercadorias. Era fundamental para os países arranjar novos mercados consumidores para poderem comprar a baixos custos e vender os produtos a preços mais altos. Assim, uma balança de comércio favorável era indispensável à política econômica mercantilista. Para conseguir isso, restringia-se a importação de manufaturas, através do protecionismo. As colônias complementavam a economia da metrópole, consumindo as manufaturas e fornecendo matérias-primas e metais preciosos. A única maneira de realizar grandes empreendimentos era a formação de monopólios, onde os capitais eram unidos para monopolizar um ramo da produção manufatureira. O monopólio pertencia ao Estado absolutista, e era transferido aos burgueses em troca de pagamento. No intervencionismo estatal o Estado intervinha na economia de acordo com os seus interesses, visando o fortalecimento do poder nacional.

Nos países europeus o mercantilismo foi adaptado de acordo com os recursos naturais disponíveis em cada um. No mercantilismo espanhol, no século XVI não foram muito desenvolvidos o comércio e a manufatura, já que à Espanha o ouro e a prata bastavam. Até mesmo suas colônias eram abastecidas por manufaturas estrangeiras. O rápido esgotamento dos minérios gerou a desvalorização da moeda, e conseqüentemente, uma grande inflação, que prejudicou a classe mais pobre (assalariada) mas beneficiou a burguesia de toda a Europa. O mercantilismo inglês era fundamentalmente industrial e agrícola. A política econômica inglesa era sempre bem planejada. O governo incentivava a produção manufatureira, protegendo-a da concorrência estrangeira por meio de uma rígida política alfandegária. Houve a formação de uma burguesia industrial, que empregava o trabalho assalariado e era dona dos meios de produção (máquinas, galpões, equipamentos).

O absolutismo atingiu sua maior força na França, onde o Estado intervinha na economia de forma autoritária. O desenvolvimento da marinha, das companhias de comércio e das manufaturas mantinham a balança comercial favorável. O mercantilismo francês atingiu seu ápice com o rei Luís XIV. Era um país essencialmente agrícola, com o preço de seus produtos mantidos baixos para que os trabalhadores pudessem se alimentar e não reclamar dos baixos salários, o que era favorável para os manufatureiros. Mesmo com o incentivo e intervenção estatais, a França enfrentava uma forte concorrência com a Inglaterra e a Holanda. O exemplar mercantilismo holandês atraiu muitos estrangeiros, que abandonavam seus países devido às perseguições e com seus capitais favoreceram o crescimento da Holanda, modelo de país capitalista no começo do século XVII. Era dominada pelas grandes companhias comerciais, tendo o poder central muito fraco, e desenvolvendo as manufaturas e o comércio interno e externo. Além disso, o intervencionismo estatal não existia neste país. Foram organizadas nesse país duas grandes companhias monopolistas holandesas, com o objetivo de colonizar e explorar as possessões espanholas na Ásia e luso-espanholas na América: a Companhia das Índias Orientais (Ásia) e a Companhia das Índias Ocidentais (América). Através do desenvolvimento das manufaturas e do poderio dessas companhias, durante o século XVII a Holanda conseguiu acumular um grande capital.

O principal objetivo do mercantilismo era o desenvolvimento nacional a qualquer preço. Ao adotar uma política econômica orientada pelo Mercantilismo, o Estado Moderno buscou propiciar todas as condições de lucratividade para que as empresas privadas exportassem o maior número possível de excedentes. Assim, o aparelho estatal absolutista incentivava o processo de acumulação de capital por parte de sua burguesia mercantil. Com essa finalidade, todos os estímulos passaram a ser legítimos, até mesmo aqueles que, eventualmente, viessem a prejudicar o bem-estar social. Por isso, o Mercantilismo pregava uma política de salários baixos, além de crescimento demográfico descontrolado, como meio de ampliação da força de trabalho interna. Dessa forma, o Estado Moderno garantia o barateamento dos custos da produção nacional, visando à conquista dos mercados estrangeiros. Paralelamente à proteção dispensada ao processo de acumulação de capital da burguesia mercantil, o Estado Nacional, a título de retribuição, fortalecia-se pela aplicação de uma rígida política tributária. Dessa forma, percebe-se então, que Estados Absolutistas e Capitalistas Comerciais são dois pólos interagentes de uma mesma realidade: a superação do modo de produção feudal e o surgimento do capitalismo moderno. Em resumo, foi o desenvolvimento do Estado Nacional absolutista que garantiu a ascensão da burguesia mercantil. Entretanto, a implantação do Estado Absolutista, por si só, não assegurava a expansão do ritmo das atividades da burguesia comercial.

Na realidade, a camada mercantil ainda deparava-se com inúmeros entraves de ordem econômica. Esses obstáculos — tais como a depressão monetária, a carência de matérias-primas em solo europeu e a relativa pobreza dos mercados continentais — geraram a necessidade de apoios externos para manter o processo de acumulação de capital. Nesse sentido, atuaram como poderosas alavancas a expansão ultramarina e as economias coloniais. O mercantilismo não foi um sistema econômico e, portanto, não pode ser considerado um modo de produção, terminologia que se aplica ao feudalismo. O mercantilismo é a lógica econômica da transição do feudalismo para o capitalismo. Mas como toda forma administrativa, o mercantilismo foi dotado de características diferentes de região para região.

Apesar de já ter sido descrito algo sobre o apanágio do mercantilismo em determinados locais, falemos rapidamente acerca dos mais importantes centros europeus que receberam alguma influência do sistema mercantilista.


2. “Escolas Mercantilistas”.

2.1. Mercantilismo Espanhol ou “Bulionismo”.

O bulionismo ou metalismo é uma teoria econômica da Idade Moderna (1453-1789) que quantifica a riqueza através da quantidade de metais preciosos possuídos. É comumente chamada de gênese do mercantilismo que se desenvolveria mais tarde em locais como a Inglaterra e a França.
Baseia-se na crença de posse e acúmulo de ouro e metais preciosos, confundindo estes com capital, não investindo em atividades lucrativas como manufaturas, comércio etc. Um exemplo de um país bulionista no período citado foi à Espanha, que não percebeu que o acúmulo de metais preciosos (ouro e prata) era apenas uma ilusão de prosperidade, tornado-se periferia econômica na Europa enquanto a economia mineradora na América, principal fonte de riqueza espanhola, se esgotava.

2.2. Mercantilismo Francês ou “Industrialismo” ou “Colbertismo”

Colbertismo ou Industrialismo nasceu no século XVII e é o Mercantilismo característico da política econômica francesa.
Teorizado e promovido por Jean-Baptiste Colbert, controlador geral das finanças do rei Luís XIV. Uma vez que a maior parte do comércio internacional se fazia por meio de metais, como o ouro e a prata, o colbertismo propunha que o volume de exportações fosse maior que o de importações para que se obtivesse uma balança comercial favorável.
As conseqüências desta política foram um protecionismo rígido que visava, entre outras coisas, ao desenvolvimento da frota nacional e ao incremento da produção de manufaturados; por outro lado, uma série de conflitos econômicos e guerras sangrentas aconteceram neste período. O maior legado das desvantagens desse tipo de política econômica foi o endurecimento das estruturas econômicas e os processos e a redução do espaço para a inovação, através de uma rede de regulamentos e de controles meticulosos.
A ressunção econômica da sustentação então varreria acima do colbertismo na França e no ovunque do sistema do mercantilista.

2.3. Mercantilismo Britânico ou “Comercialismo”
O mercantilismo inglês apoiava-se na teoria de que desde que fosse possível manter a balança comercial favorável, não haveria restrições com relação às importações. A meta básica era que o quantitativo das exportações fossem sempre superiores e que transportassem um número crescente de mercadorias.
Porém não se pode negar que a Inglaterra também contou com um forte absolutismo dos reis, que intervinham diretamente na economia, principalmente no reinado de Elizabeth I e da dinastia Stuart.
O comercialismo originou-se na Inglaterra, cujo desenvolvimento manufatureiro e poderio naval impulsionaram, sobretudo no século XVII, a expansão do comércio exterior. Os navios da marinha mercante distribuíam no mercado mundial os tecidos produzidos pelas manufaturas inglesas, possibilitando ao país o acúmulo de metais preciosos através da manutenção de uma balança comercial favorável.
Resumindo, a teoria inglesa dizia que a única maneira de fazer com que muito ouro fosse trazido de outros remos para o tesouro real é conseguir que grande quantidade dos produtos fosse levada além dos mares, e menor quantidade de seus produtos fosse para transportada para a Inglaterra.
3. Fisiocratas


Oriundo da língua grega, o termo fisiocrata significa “poder da natureza”. Durante o século XVIII essa palavra foi utilizada para nomear a Escola Fisiocrata, primeira escola científica de economia, cuja teoria principal afirmava que a economia funcionava como um “organismo” e que este seria gerido de forma natural, assim como, os próprios aspectos físicos da natureza. Distanciando-se um tanto da analogia realizada com as leis físicas da natureza a fisiocracia acreditava que a ordem natural econômica poderia ser alterada por membros ou grupos da sociedade.
Formulada na França, mais precisamente entre os anos de 1756 e 1778, quando suas obras foram publicadas, a fisiocracia alcançou sucesso e respeito e se espalhou por várias nações da Europa. Segundo Hugon (1972, p. 96)

A grande Catarina, da Rússia, Gustavo III, da Suécia, Estanislau, da Polônia, José II, da Áustria, e muitos outros ainda, ouvem atentamente as discussões da novel Escola e a aplicam um grande número de suas sugestões.

Torna-se de extrema necessidade salientar o momento em que se realiza a estruturação e a difusão da Escola Fisiocrata numa Europa marcada pelas grandes inovações científicas e pelo movimento enciclopedista desenvolvido por grandes nomes como Voltaire, Diderot, entre outros.
Entre os principais teóricos da Escola Fisiocrata teve destaque François Quesnay, apontado por muitos autores como líder da Escola, que em 1756, já publicava seu primeiro artigo econômico, intitulado Fermiers, na Grande Enciclopédia. Oriundo de uma família de pequenos proprietários, e talvez por isso grande defensor de um sistema econômico voltado para a riqueza da terra, Quesnay alcançou grande prestígio desempenhando as funções de médico na Corte. A boa reputação fez com que o mesmo se tornasse médico de pessoas influentes, como por exemplo, Madame de Pompadour, chegando inclusive a se tornar médico de Luis XV, em 1752.
Juntamente com Quesnay, participaram da Escola Fisiocrata, destacados membros da sociedade francesa como, por exemplo: Marquês de Mirabeau, Mercier de La Rivière, o abade Buadeau, Le Trosne, Dupont de Nemours, Turgot, ente outros.
A Escola Fisiocrata caracterizou-se não só pela idéia de uma economia movimentada através de leis naturais e atuando como um organismo, mas também, pela utilização da terra como principal fornecedora de riquezas. A fisiocracia acreditava que o comércio era apenas um mero utensílio para o escoamento da produção e que a indústria (manufaturas) fazia-se necessária apenas para a transformação de matéria em produtos. Com relação ao mercantilismo, bastante presente em toda Europa no século XVIII e principalmente na França com Colbert, os fisiocratas acreditavam que as nações deveriam empreender a interrupção dos entraves na produção e na comercialização de gêneros. A liberdade econômica presente na teoria fisiocrata fica bastante clara na célebre frase de Quesnay: “Laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même” ou seja, deixar fazer, deixar passar, que o mundo vai por si mesmo”.
No “Tableau”, Quesnay destaca ainda as classes que compõem a sociedade: os “proprietários” detentores das terras, a classe “produtiva” formada pelos agricultores e a classe “estéril” formada pelos profissionais liberais, comerciantes, trabalhadores industriários e domésticos.
Mantendo residência no Palácio de Versalhes, Quesnay escreveu em 1758 a mais famosa de suas obras econômicas, o Tableau Économique (Quadro Econômico), na qual fica bastante clara a noção de ordem natural, assim como, a teoria de que a economia atua como um organismo. De acordo com Hugon (1972, p. 97):

A circulação das riquezas por entre essas diferentes classes indica a importância relativa de cada uma e explica a repartição dos bens produzidos. Suponhamos seja o valor dos gêneros agrícolas, colhidos pela classe “produtiva”, de 5 bilhões de francos e o custo de produção igual a 2. Resta, pois, para a classe produtiva um lucro de 3. Desse lucro, 2 vão para a classe dos “proprietários”, em pagamento de aluguel ou renda e 1 irá para a classe “estéril”, em troca de artigos manufaturados e de serviços. A classe dos “proprietários”, detentora de 2 unidades, devolve à classe “produtiva” uma unidade, para aquisição de gêneros alimentícios, e entrega a outra unidade à classe “estéril”, em pagamento dos produtos manufaturados de que necessita A classe “estéril”, por sua vez, tem de restituir à sua subsistência a unidade de valor que recebera. De maneira que, completado esse conjunto – cujo esquema apenas indicamos -, as cinco primitivas unidades de valor se acham reconstituídas nas mãos da classe “produtiva” e o ciclo pode, nestas condições, recomeçar indefinidamente.


Vale salientar, que essa teoria de um “organismo econômico” do médico Quesnay sofreu grande influência da descoberta efetuada por Hervey, em 1628, a respeito da circulação do sangue no organismo humano. A teoria de circulação de riquezas, descrita acima, além de ser a primeira idéia sobre equilíbrio econômico, sendo mais desenvolvida durante o século XX, deixa clara a posição privilegiada do proprietário de terras. Para justificar o aumento de preços o próprio Quesnay alega que mesmo com preços altos todas as classes da sociedade estarão seguras, uma vez que, a economia se comporta como um organismo.
O “produto líquido” ,que para os fisiocratas quer dizer o mesmo que produto real, faz com que os membros desta escola deixem de lado a verdadeira relação entre o valor e o consumo, proporcionando-lhes a busca de riqueza através dos frutos advindos da terra em detrimento dos adquiridos no comércio e nas indústrias (manufaturas). Por considerar um ato que gera lucro apenas aos seus intermediários a fisiocracia condenava fortemente o tráfico de escravos. Segundo Quesnay apud Hugon (1972, p.99) “O dinheiro não é a verdadeira riqueza de uma nação. Não é a riqueza que se consome e renasce perpetuamente, pois dinheiro não gera dinheiro”.
Tendo como principal fonte de atuação a terra e conseqüentemente os frutos decorrentes desta, a teoria fisiocrata atua de modo a salvaguardar o direito de propriedade. Tomando como referência os jurisconsultos romanos, não só se delimita a proteger a propriedade da terra, mas também, as obrigações que seus respectivos donos terão sobre as mesmas, de modo que terão de mantê-las produtivas, e seus gestores ativos no pagamento de impostos à nação.
É com o direito de propriedade estabelecido sobre o âmbito agrícola que o mesmo se difundirá também ao âmbito urbano, fomentando inclusive uma maior liberdade em relação ao Estado Mercantilista, bastante atuante na época.
Juntamente com a noção de ordem natural se apresenta a ordem providencial, que nada mais é, do que a teoria do acontecimento dos fatos de acordo com o desejo de Deus para a felicidade dos seres humanos. Uma vez que a ordem é advinda de Deus é a melhor possível. Nesse âmbito a ordem natural é uma ordem providencial e deve agir sem empecilhos. Apropriando-se da crença a Deus, a fisiocracia traz a tona o forte espírito de liberdade, que juntamente com os preceitos de propriedade, fornecerá na época um crescimento da produção e também um considerável aumento de concorrência.
Um dos graves problemas identificados no sistema idealizado pelos fisiocratas se apresentou exatamente na imprecisão de suas teorias, que contavam com teses bastante dedutivas e sem qualquer base empírica. Para tanto Quesnay acreditava que com mais liberdade se estabeleceria a livre concorrência e naturalmente unida a esta o aumento dos preços e da produtividade agrícola, estimulando assim, o desenvolvimento geral da nação. Segundo Hugon (1972, p.101): “O bom preço atuaria no sentido de elevar todos os preços – quer os da remuneração do trabalhador, quer os do capital, quer os da terra.”
O que ele não previa é que inteiramente ligado aos preços dos produtos está o interesse particular de cada consumidor. Estudos acerca dessa relação foram aprofundados durante o século XX.
Para que se possa compreender melhor o ambiente em que surgiu e se desenvolveu a Escola Fisiocrata torna-se necessário observar as características econômicas e principalmente políticas que se desenrolaram na França durante o século XVIII, e até mesmo antes disso, no momento em que os franceses iniciaram suas disputas comerciais com ingleses e holandeses.
Como não podia se beneficiar de fontes diretas de metais preciosos, como outros países da Europa, a França adotou a indústria como fornecedora monetária. Essa indústria, que se caracterizava mais como uma manufatura, foi preferida pelos franceses devido a sua regularidade de produção e o bom preço com que se comercializavam, em outros países, os produtos processados.
Durante o governo de Luís XIV, que antecedeu o reinado em que surgiu a Escola Fisiocrata, a França passou por várias mudanças significativas. Luis XIV de Bourbon, o mais poderoso monarca absolutista francês, teve como ministro Jean-Baptiste Colbert que é apontado como um dos grandes responsáveis pelo mercantilismo e pela redução do déficit da França. Este monarca ficou conhecido ainda pela reorganização e modernização do exército, além dos sucessivos conflitos dos quais participou.
Juntamente com incentivos à indústria o mercantilismo francês implantou medidas protecionistas que atingiram os mais diversos extratos da sociedade, como por exemplo: a extensão do corporativismo a todas as profissões, um teto máximo de salários fiscalizado pelo governo (que proporcionava a diminuição dos preços dos produtos e conseqüentemente aumentava a competitividade no exterior), manipulação da taxa de juros, entre outros.
No que diz respeito ao consumo interno francês, o sistema mercantilista exerceu não só o desencorajamento da agricultura, mas também, a diminuição dos preços dos alimentos, deste modo, remunerando salários pífios à classe trabalhadora e conseqüentemente elevando os preços das exportações. Interveio ainda o consumo interno de artigos de luxo. Segundo Hugon (1972, p.73):

A ingerência do Estado no campo da produção acarreta também a sua intervenção no setor do consumo: para aumentar o volume das exportações de objetos de luxo limita-se o seu consumo no mercado interno. Nesse sentido são promulgados os éditos santuários, regulamentando o uso, no país, dos produtos das manufaturas de tecidos de ouro, de tapeçarias, de couros dourados, enfim, das indústrias de luxo.


Na França, o mercantilismo foi responsável por sérias restrições e também por contradições. Enquanto necessitava cada vez mais de mão-de-obra para a produção, o mesmo, desenvolvia entraves para a produção agrícola que viria não só a se dedicar à exportação, mas também, alimentar os indivíduos oriundos da política demográfica populacionista.
A situação de dificuldade pôde ser evidenciada principalmente nos anos de 1725 e 1740 quando o país atravessou fervorosas crises, onde se reduziram até as áreas de cultivo do trigo. A principal parcela desfavorecida da população foi a camponesa, onde se observaram os mais perigosos descontentamentos.
Antes mesmo de Quesnay publicar seus trabalhos econômicos, o mercantilista Richard Cantillon (1680- 1734) já mencionava sua preocupação com o âmbito agrário. Colocando-se como elo de transição entre mercantilismo e fisiocracia ele percebeu a importância da economia agrária e a colocou no centro de sua teoria sobre preços e valores.
Entre os preceitos econômicos abarcados pela fisiocracia difundiram-se o direito de propriedade, mobiliária ou imobiliária, a liberdade de comércio, interno ou internacional e a liberdade de trabalho. Este último ponto se deu mais precisamente com o Édito de Turgot de 1776, que ordenou a supressão de todas as corporações de artes e ofícios.
Do ponto de vista político a fisiocracia atuava lado a lado com a monarquia absoluta hereditária. Essa união foi viável devido ao compartilhamento de interesses, enquanto os fisiocratas sustentam a idéia de uma economia voltada para os grandes proprietários de terras, e para isso é importante a presença de um representante que faça valer a ordem natural de maneira legal, o monarca necessita que o produto líquido aumente cada vez mais de modo que a arrecadação fiscal também seja elevada.
Surge em 1776, na Inglaterra, a chamada Escola Clássica. Composta por teóricos como, por exemplo: Adam Smith, Malthus, Ricardo e Stuart Mill, a escola dá continuidade a progressos econômicos iniciados pela Escola Fisiocrata, da qual teve algumas influências.
Tendo como principal eixo a obra “Riqueza das Nações” de Adam Smith, esta escola se diferencia dos fisiocratas não só na composição de suas teorias, mas principalmente, na mobilidade de seus membros que no decorrer dos anos a modificaram e a evoluíram. Smith acreditava que ao contrário da produtividade rural a grande fonte de riquezas se encontrava no trabalho do homem.
Baseados em moldes dedutivos e generalizados os fisiocratas não realizaram observações profundas dos fatos da época e tão pouco se utilizaram da história para comporem suas teorias, sendo assim, defensores de idéias tidas como verdades absolutas e que participavam da base da organização de toda a sociedade, não só da economia.
No entanto foram responsáveis pela primeira escola a lançar os fundamentos da ciência econômica, e com isto, a liberdade econômica, a solidificação da propriedade privada e o questionamento a respeito do mercantilismo, fomentando debates teóricos que transgrediram seu tempo.




4. Bibliografia.

DEYON, Pierre. O Mercantilismo. São Paulo: Editora Perspectiva. 1973.

FALCON, Francisco. Mercantilismo e Transição. São Paulo, Brasiliense, 1981, 11ª ed., 1990.

HUGON, Paul. Historia das Doutrinas Econômicas. 12.ed. São Paulo: Atlas, 1972.

LAJUGIE, Joseph. Doutrinas Econômicas. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.

NAPOLEONI, Claudio. Smith, Ricardo, Marx. Rio de Janeiro: Graal, 1978.

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